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Motta Coqueiro ou a Pena de Morte - Unama

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www.nead.unama.br<br />

A sua posição <strong>de</strong> feitor no sítio <strong>de</strong> <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> aplain<strong>ou</strong>-lhe facilmente o<br />

caminho da familiarida<strong>de</strong>, <strong>de</strong> que ele serviu-se para conquistar o coração benévolo<br />

da moça.<br />

Nunca tinha tentado sequer revelar aos quinze anos <strong>de</strong> Mariquinhas o que<br />

lhe ia <strong>de</strong> ansieda<strong>de</strong> pelo seu coração, quase sem esperanças.<br />

Acreditava mesmo que seria uma l<strong>ou</strong>cura, ele, pobre feitor <strong>de</strong> roça, e <strong>de</strong>mais<br />

disso homem <strong>de</strong> cor, ir afrontar os escrúpulos da família, quando Mariquinhas era<br />

tão bonita que fácil lhe era escolher um marido entre os robustos moços<br />

trabalhadores dos arredores.<br />

Limitava-se a obsequiar generosamente, e facilitar a Francisco Benedito os<br />

meios ao seu alcance para melhorar as condições <strong>de</strong> vida no sítio.<br />

Encostado ao seu rebenque, ele nem dava atenção ao serviço; per<strong>de</strong>ra<br />

mesmo as asperezas do seu oficio e <strong>de</strong>ixava que os escravos trabalhassem quanto<br />

lhes aprazia.<br />

Estes, surpreen<strong>de</strong>ndo as distrações e a tristeza do feitor, segredavam-se no<br />

eito:<br />

— Seu Manuel está com mandinga; é c<strong>ou</strong>sa feita pela gente do agregado.<br />

Aos domingos, Manuel João, pondo a tiracolo o polvarinho e chumbeiro,<br />

pegava da espingarda e lá se ia mato <strong>de</strong>ntro, precedido pelo farejar <strong>de</strong> alguns cães<br />

<strong>de</strong> caça.<br />

Quando voltava, trazendo gran<strong>de</strong>s enfiadas, nas quais misturavam-se a<br />

escura cor hidrargirada das asas das juritis, aos tons escarlates dos peitos dos<br />

tucanos; Manuel João parava sempre à porta dos fundos da casa <strong>de</strong> Mariquinhas e,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> uma conversa, presenteava-a com a sua caçada.<br />

Os presentes contínuos eram o único palpável indício da afeição do moço<br />

feitor, mas uma observação mais <strong>de</strong>tida <strong>de</strong>scobriria sem gran<strong>de</strong> trabalho quão<br />

intensa lavrava a paixão por aquele espírito.<br />

Quando acompanhava o seu amo, e via-o parar à porta do velho hóspe<strong>de</strong>,<br />

ficava <strong>de</strong> mau humor, principalmente se com a família vinha Mariquinhas, em cujas<br />

faces <strong>Motta</strong> <strong>Coqueiro</strong> batia brandamente com as pontas dos <strong>de</strong>dos, exclamando:<br />

— Está já moça, e pior do que isso, bonita.<br />

A jovialida<strong>de</strong> do amo e o acolhimento grato que lhe fazia Mariquinhas<br />

incineravam todos os sonhos <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong> do feitor: tinha então diante <strong>de</strong> si um<br />

suposto rival, tanto mais digno <strong>de</strong> ódio quanto era mais po<strong>de</strong>roso.<br />

Em troca <strong>de</strong>ssas injustiças sem eco, a bela Mariquinhas esmerava-se em<br />

patentear a sua simpatia pelo ciumento. Era ela quem lhe trazia a xícara <strong>de</strong> café,<br />

nas noites em que ele vinha conversar-lhe o pai, e dispensava-o do trabalho <strong>de</strong><br />

fuzilar fogo ao isqueiro, apresentando-lhe um cavaco esbraseado.<br />

Nos dias <strong>de</strong> brinca<strong>de</strong>ira, só estava verda<strong>de</strong>iramente alegre quando o tinha<br />

por par; ao contrário mostrava-se aborrecida.<br />

Mas a própria bonda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Mariquinhas era um incentivo à prevenção do seu<br />

amante. Aferia o perigo, que julgava-a correndo, pela sua própria bonda<strong>de</strong>, e nas<br />

horas em que, no silêncio <strong>de</strong> sua morada, revolvia os seus anelos e as suas<br />

dúvidas, exclamava com voz colérica.<br />

— Ela é um anjo e aquele <strong>de</strong>mônio po<strong>de</strong> perdê-la.<br />

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