TATIANE OLIVEIRA DA CUNHA - Programa de Pós-Graduação em ...
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abandonadas pelo po<strong>de</strong>r público. Gervásio <strong>de</strong> Carvalho Prata reforça essa i<strong>de</strong>ia, ao referir-se<br />
às missas e às feiras no Lagarto daquela época:<br />
Se era domingo, a matriz se enchia com o respeito a que ninguém faltava,<br />
fosse Monsenhor Daltro o celebrante, fosse <strong>de</strong>pois <strong>de</strong>le, o vigário Vicente ou<br />
o Vigário G<strong>em</strong>iniano. [...] Infalivelmente, a filarmônica <strong>de</strong> Hipólito <strong>de</strong>sferia<br />
músicas alegres <strong>de</strong> seu repertório, na rua <strong>de</strong> Estância, que toda a cida<strong>de</strong><br />
ouvia, suavizando a langui<strong>de</strong>z das tar<strong>de</strong>s dos domingos. O dia seguinte, <strong>de</strong><br />
feira, marcava novas expansões. Cavaleiros, cargas, carros <strong>de</strong> boi, gente a pé<br />
e <strong>de</strong> garupa, convergindo dos quadrantes do município e <strong>de</strong> fora, a dar<strong>em</strong><br />
entrada e se alojar<strong>em</strong> na gran<strong>de</strong> feira, que nunca <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> ser, a <strong>de</strong> Lagarto,<br />
<strong>de</strong> povo e <strong>de</strong> fartura <strong>de</strong> tudo, entr<strong>em</strong>ostrando-se a massa humana na<br />
plenitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> entretenimento para o dia. Compras, vendas, trocas, conversas,<br />
namoros, mil pretextos <strong>de</strong> que se prevalece a nossa gente do interior e da<br />
cida<strong>de</strong>, para não <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ir às feiras. Mas, no dia seguinte, a cida<strong>de</strong><br />
retroce<strong>de</strong> ao seu lugar comum, a modo <strong>de</strong> uma trovoada que houvesse<br />
passado sobre as terras áridas <strong>de</strong> um <strong>de</strong>serto. 323<br />
Esse trecho no fez refletirmos sobre a importância do discurso religioso, numa<br />
época <strong>em</strong> que a missa e a feira eram as principais oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> diversão. A população que<br />
participava da missão tinha a sua rotina severamente alterada. Seus compromissos eram<br />
<strong>de</strong>terminados <strong>em</strong> função das ativida<strong>de</strong>s previamente programadas pelo missionário. Essa<br />
alteração começava antes mesmo do início do evento, com os preparativos e, se estendiam<br />
mesmo <strong>de</strong>pois da partida dos missionários, <strong>de</strong>vido a compromissos pactuados para o futuro<br />
conforme mostramos ao narrar no primeiro capítulo à missão <strong>de</strong> Itaporanga.<br />
Essas mudanças também alcançam o comportamento das pessoas. Vejamos como<br />
Gilberto Amado narra os preparativos para a missão realizada na vila <strong>de</strong> Itaporanga,<br />
[...] já antes da chegada dos fra<strong>de</strong>s as mulheres e as moças começaram a pôr<br />
xale preto na cabeça. Flor e fita não botavam mais no cabelo. Às duas feiras<br />
que prece<strong>de</strong>ram a Santa Missão, as mulheres-damas já não vieram. ... Zé<br />
Bolacinha <strong>de</strong>ixou <strong>de</strong> beber. Elias já não apregoava na venda suas briagueses.<br />
Cazuza <strong>de</strong> Lino, o mentiroso da vila, andava dizendo que não mentia mais,<br />
comprara um terço <strong>de</strong> bentinhos que mostrava <strong>de</strong> porta <strong>em</strong> porta. Pombinho<br />
r<strong>em</strong>exendo-se, com a voz <strong>de</strong> mulher, parava junto às donas <strong>de</strong> casa e dizia,<br />
benzendo-se: “agora é t<strong>em</strong>po da gente se arrepen<strong>de</strong>r, meu Deus!” Mariana<br />
não esperava mais os homens à porta da malhada. 324<br />
323 I<strong>de</strong>m, p. 74.<br />
324 AMADO, Gilberto. História <strong>de</strong> Minha Infância. São Cristóvão, SE: Editora da UFS; Fundação Oviêdo<br />
Teixeira, 1999, p. 147-148.<br />
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