O Globo, 05/11/1954 - Geia Plural

O Cristianismo como novidade civilizatória
O corpus doutrinário do Cristianismo origina-se de Jesus, e foi guarda-
do pelos livros do Novo Testamento 4 , transmitido pelo ensino apostólico (espe-
cialmente por Paulo) e interpretado pelos Padres e Doutores da Igreja.
Quase nada se sabe de Jesus, embora não pareça sensato negar-lhe exis-
tência real. Sua vida envolve um mistério espantoso: ninguém, nem antes nem
depois, deixou maior nome através dos séculos. Dos compatriotas seus contem-
porâneos, nenhum seria sequer mencio-nado nas páginas da História, não fosse
uma eventual associação com os feitos ou com a palavra dele. No entanto, esse
homem incomum não escreveu livro, nem mesmo, do que terá sido pregação ori-
ginalmente sua, se extrai um “sistema de ideias” que possa correr em paralelo ao
dos grandes mestres do pensamento. Com toda evidência, sua intenção não era
ensinar (com palavras), mas viver e, pela vida, dar exemplo. A rigor, sua verda-
deera ele mesmo, o curso (o caminho) a fazer para alcançá-la era ele mesmo, e era
como a dele mesmo a vida nova que adviria aos que se formassem por sua peda-
gogia.
Jesus teria sido galileu, daquela Galilaea gentium (a Galileia dos es-
trangeiros), invadida por idólatras, mercadores materialistas “livres”, que eram
o horror dos judeus (os habitantes da Judeia, a parte central da Palestina) e de
sua ortodoxia monoteísta, repleta de escrúpulos ritualistas, dominada por uma
elite religiosa presa a prescrições de rígido casuísmo legal, tão opressora quan-
to os governantes romanos a quem estava aliada. Esse judaísmo de superfície,
mas cheio de exigências tão descabidas o quanto implacáveis, girava em torno do
4 - Não há esquecer-se, aqui, o Velho Testamento, o qual, porém, integra-se à Bíblia cristã como parte do legado judaico de que foi
herdeiro o Cristianismo.
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