O Globo, 05/11/1954 - Geia Plural

Estava ali também sublime e dino, 36 repimpado ora num, ora noutro
camarote, o nosso reverendo e impreterível Padre Camilo, que nunca faltou nas
grandes ocasiões.
Era a Grécia, em suma, o Maranhão, o Olimpo e o Oriente em peso que
se tinham dado rendez-vous 37 para aquele templo das musas e das artes; eram
deusas, belezas, e huris de toda a casta; e eu seria tentado a julgar-me no meio de
algumas das mil e uma noites, se bem, firme em meu conceito e entendimento,
não visse que ao contrário era uma noite só que valia como mil.
Pelas sagradas barbas do Profeta! Pois não é o próprio glorioso califa
Aaronel-Raschid que acaba de assomar à tribuna imperial em toda a majestade
do seu venerável aspecto? Ah! Tímon, prostrado, rendido, e transformado, estava
outro inteiramente, e como se envelhecera nos hábitos de um cortesão, ergueu-se,
e quase dum salto, pôs-se no salão onde o mesmo luxo e bom gosto que vira na
sala do espetáculo o surpreenderia agradavelmente, se ainda a surpresa pudesse
realizar-se naquela noite memorável. Uma multidão alegre, ruidosa e descuidada
se cruzava em todos os sentidos, cortando, girando, e circulando a sala, e só Deus
sabe que sentimentos me saltearam quando dei com os olhos nos triúnviros,
túmidos de orgulho e rindo à socapa, de verem em que tinha disparado o arrojo
de tantos Sansões, ainda há tão pouco furiosos e resolutos a enterrar-se com eles
nas ruínas do edifício! Desviei-me prontamente, e penetrei o augusto camarim,
arredando com o mais profundo acatamento o reposteiro de riquíssima caxemira
primorosamente bordado.
O interior daquele mimoso tabernáculo concentra e resume todo o luxo
esparso pelas mais partes do edifício; um aveludado tapete amacia o pavimento;
as paredes, forradas de finíssimo papel dourado; o teto branco, com molduras de
36 Dino: digno. O verso é d’Os lusíadas (Canto I, 22) de Camões.
37 Se tinham dado rendez-vous: haviam marcado encontro.
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