O Globo, 05/11/1954 - Geia Plural

não tem onde repousar a cabeça. E, se como está nos Atos dos Apóstolos,
ele “passou fazendo o bem” (Atos, X, 38), foi pelos pobres que manifes-
tou, sempre, um carinho especial. Na sua mais famosa proclamação, a
das Bem-Aventuranças (Mat., V, 1-11), ele repete por oito formas dife-
rentes o valor maior da pobreza, que, desde suas raízes até suas últimas
consequências, traz consigo os sentimentos de generosidade, despren-
dimento, compaixão, amor à justiça, mansidão, pureza de alma, etc. Em
síntese, o verdadeiro amor ao próximo obriga a encarar este próximo
(qualquer um, mas especialmente o mais necessitado) de modo que ele
encontre, em nosso próprio ser, uma inserção anterior a qualquer bem
de ordem material, de modo que a sua importância intrínseca nos leve
a espontaneamente repartir com ele o que tenhamos, pouco ou muito.
Jesus assim prega e assim pratica. Por perceber que os ricos são menos
generosos que os pobres, lamenta pelos que se “amarram” na riqueza.
E se entristece quando um moço rico (irrepreensível perante a ordem
moral vigente) o procura para pedir-lhe orientação, sem entender este
caminho da perfeição, tão simples, embora paradoxal, que lhe propõe
o Mestre (Mat., XIX, 16-24). E os primeiros cristãos viviam num rígido
regime comunista (Atos, II, 44-46; IV, 32-35), no qual os transgressores
eram castigados severamente (Atos, V, 1-11).
Antecipemos, a propósito, que, num mundo em que a escravidão era um
fenômeno social bastante comum, os primeiros pregadores e escritores
do Cristianismo contentam-se apenas em pregar a doutrina de Jesus e
dar o exemplo, sem enfrentar diretamente o problema da servitude. Mas
esses mesmos pregadores e escritores terão palavras duríssimas contra
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