O Globo, 05/11/1954 - Geia Plural

Veja-se agora como a atrocidade do pensamento legislativo tem
dignamente correspondido às perfídias e asperezas da execução. Apossados uma
vez os triúnviros da autoridade, não se sabe como, e nem por que modo, mudaram
o venerável nome do nosso teatro, que da União que era, se ficou chamando de São
Luís. Esta mudança parece ser resultado de um vasto plano há muito combinado, e
cuja chave só o tempo nos poderá dar; mas nenhum homem de tino tem deixado de
notar com surpresa e indignação que certa gente já não data as suas cartas senão de
São Luís, e que de São Luís se vão todos os dias chamando ora as huris, ora a baía,
e agora enfim o mesmo teatro, que tinha seu nome próprio, muito bem soante ao
ouvido e à moral, já consagrado pelo tempo, e por nenhum caso merecedor de ser
apagado por um traço de pena ditatorial.
A tirania, como é seu veso antigo, não se desprezou desta feita de recorrer
à astúcia; e para interessar o comércio no êxito dos seus planos, foi um de seus
primeiros cuidados anunciar que comprava floretes, plumas, galões, et caetera.
Lembram-se todos da melúria com que os ditadores falavam a princípio
nas assinaturas, dizendo a uns que eram baratíssimas, a outros que cada um
escolhia o seu camarote onde bem lhe convinha &&, mas de repente, e com data
de 3 de março, estala um anúncio em todos os jornais, que os assinantes pagassem
o imposto de um trimestre adiantado dentro de cinco dias improrrogáveis (até 8
de março) sob pena de revelia, exclusão, e devolução! Digam-me agora os homens
sinceros e desapaixonados de todas as opiniões, sem diferença de matizes, em que
mais odioso foi o atentado de 2 de dezembro, 9 onde pelo contrário se deu aos pobres
dos franceses atarantados não menos de dezenove dias para dormirem sobre o
caso antes de irem à urna? 10 Numa surpresa tão odiosa ninguém teve tempo de
reconhecer-se e dar-se a conselho; e todos sem exceção, consternados, mudos, ou
9 O atentado de 2 de dezembro [de 1851]: o golpe de estado levado a efeito por Luís Napoleão Bonaparte, que dissolveu a Assembleia
Nacional Francesa e instalou o Segundo Império. Observe-se, em confronto, a data do folhetim de João Lisboa.
10 Não menos de dezenove dias: os franceses tiveram até 20 e 21 de dezembro de 1851 para, em plebiscito, aprovarem o golpe de
Luís Napoleão.
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