O Globo, 05/11/1954 - Geia Plural

de seu tempo – , a mensagem de Jesus causa assombro: nunca se viu nada tão
singelo e, ao mesmo tempo, tão inusitado, com tamanha força de aliciamento e de
exigência. Assombro maior ainda é sabermos que, vindo de uma pessoa comum,
de um meio histórico-geográfico absolutamente insignificante, suas palavras fo-
ram transformadas em doutrina de transformação e salvação. A novidade de sua
mensagem terá força bastante para ombrear-se com a cultura grega e fundir-se a
ela, e, mais tarde, submeter o Império Romano, estabelecendo uma nova civiliza-
ção: a civilização greco-romano-judaica, ocidental-cristã.
A “visão insólita” de Jesus
Sócrates identificara virtude e conhecimento, resumindo toda a perfei-
ção humana no autoconhecimento. Platão sustentara que a sabedoria se encontra
no desapego total das coisas sensíveis e na contemplação das Ideias eternas. Aris-
tóteles afirmara que a virtude consiste no conhecimento contemplativo. Jesus
irá provar, com o próprio exemplo, que a perfeição da ética está em amarmos a
Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. Nesse amor du-
plamente direcionado, compendia-se a Lei e os Profetas (as Escrituras Sagradas:
todo e qualquer ensinamento válido), ou tudo o que, em sua linguagem específica,
ele chamará de o Reino de Deus.
Veja-se, antes de tudo, que aí – no amor ao próximo, posto no mesmo
nível de exigência do amor a Deus – está uma proclamação de estupenda simpli-
cidade, mas que reivindica a inversão de valores mais corajosa e mais difícil de
processar-se no ser humano. Trata-se, em última análise, de recriar o homem,
fazê-lo renascer sobre bases inteiramente inimaginadas (não por outra razão,
Jesus, transformado no Cristo, será chamado de “segundo Adão” - Rom., V, 14 -,
protótipo da nova humanidade), porque exigindo abrigo definitivo, voluntário e
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