O Globo, 05/11/1954 - Geia Plural

medidas como O Observador. Pois, se ele tocou logo a corda da nacionalidade, a
mais melindrosa que pode haver no coração de um povo! Que precisão havia de
se ir apanhar o rebotalho de Lisboa, quando o tínhamos aqui a rodo, e a pontapés,
nossos caros patrícios, e porventura até correligionários? “Ruim por ruim (diz
ele, com enérgica e ríspida onomatopeia, própria a eriçar a grenha ferrenha do
triunvirato), ruim por ruim, e tanto por tanto, antes desse o nosso dinheiro para
os nossos, que precisam dele, mas esses foram repelidos!...”
Antes que passe adiante, ser-me-á necessário definir o que seja o chiripá,
pois já vejo de todos os lados os meus amáveis leitores a inquirir-mo, e por outra
parte não convém que a posteridade, ao ler os meus imortais folhetins, entre a
flutuar em conjecturas, a qual delas mais disparatada e extravagante. Confesso em
primeiro lugar que inda nunca vi os tais chiripás, mas, do que tenho podido colher
das relações oficiais e extraoficiais da Batalha de Monte Casero, 56 deduzo que são
certos animais de dous pés e sem penas, que não vestem calças! Que vista e figuras
engraçadas não hão de eles fazer, mormente na corrida e perseguição do inimigo!
O espetáculo contudo não é inteiramente novo na história; e se o leitor benévolo
quiser folhear a do generoso fidalgo da Mancha, lá achará que D. Quixote fez de
chiripá quando nas asperezas de Sierra Morena se deu a fazer penitência pela sua
incomparável Dulcineia, à feição dos Amadis e Beltenebros. A reserva e pudor do
folhetim vedam dizer mais...
Seja porém como for, o certo é que os nossos Juans Manuéis recuaram.
Tímon, já confuso e envergonhado pela sua derrota, ficara de alto a baixo
desarvorado, quando ao sair do Teatro ouviu a aterradora notícia de que o drama
ia ser repetido no próximo domingo! Misericórdia! Cinco com cinco, dez mortais
atos de virtude conjugal! Onde vai isto parar? Querem levar o povo a cometer algum
excesso? No primeiro ímpeto de deses-peração, cheguei até a redigir o seguinte
56 Batalha de Monte Casero: travada a 3 de fevereiro de 1852, pelo Brasil e Uruguai contra as forças de Oribe e Rosas, na Argentina.
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