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C:\ARQUIVO DE TRABALHO 2010\EDI - Unama

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cam na tradição 10 a fonte de onde deve ser extraída<br />

a legitimidade da regra de direito, o sepultamento,<br />

pode ser tido como um costume que existe<br />

para além das regras criadas em determinados<br />

contextos, correspondendo a uma reivindicação<br />

que, nos termos da nossa atual Carta política, pode<br />

ser chamado de direito humano fundamental.<br />

Como o plano da existência humana incorpora<br />

inquestionavelmente o fato da morte,<br />

para a corrente da teoria do direito adepta da<br />

concepção jusnaturalista da essência da natureza<br />

humana, é possível compreender que o<br />

sepultamento, por estar relacionado à própria<br />

existência do ser humano, às definições sobre<br />

a disposição do seu corpo ou do corpo de seus<br />

entes após a sua morte, e à sua autocompreensão,<br />

assim como o direito à vida, à integridade<br />

física e à liberdade, pode ser compreendido<br />

como um direito que a simples condição de ser<br />

humano lhe confere como fundamental 11 .<br />

A conclusão é a mesma para aqueles que,<br />

adotando o ponto de vista de que a legitimidade<br />

da norma jurídica reside no procedimento<br />

10<br />

Segundo Nicola Abbagnano, tradição é herança cultural,<br />

transmissão de crenças ou técnicas de uma geração para<br />

outra. No domínio da filosofia, o recurso à tradição implica o<br />

reconhecimento da verdade da tradição, que, desse ponto<br />

de vista, se torna garantia de verdade e às vezes, a única<br />

garantia possível. Foi entendida nesse sentido pelo próprio<br />

Aristóteles, que, em suas investigações, recorre frequentemente<br />

à tradição, considerando-a garantia de verdade. [...]<br />

Desde então, o conceito de Tradição não mudou, conservando<br />

a aparência ou a promessa dessa garantia. IN: Dicionário<br />

de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, p. 967.<br />

11<br />

Segundo Nicola Abbagnano, jusnaturalismo é uma teoria do<br />

direito natural configurada nos sécs. XVII e XVIII a partir de<br />

Hugo Grócio (1583-1645), também representada por Hobbes<br />

(1588-1679) e por Pufendorf (1632-94). [...]. O J. distingue-se<br />

da teoria tradicional do direito natural por não considerar<br />

que o direito natural represente a participação humana<br />

numa ordem universal perfeita, que seria Deus (como os<br />

antigos julgavam, p. ex., os estóicos) ou viria de Deus (como<br />

julgaram os escritores medievais), mas que ele é a regulamentação<br />

necessária das relações humanos, a que se chega<br />

através da razão, sendo, pois, independente da vontade<br />

de Deus. Assim, o J. representa, no campo moral e político,<br />

reivindicação da autonomia da razão que o cartesianismo<br />

afirmava no campo filosófico e científico. IN: Dicionário de<br />

Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 593.<br />

democrático – na soberania popular, identificam<br />

na posição de todo o povo de Tebas a fonte<br />

de legitimidade da regra de que o sepultamento<br />

é uma prática que deve ser garantida a todos,<br />

podendo ser exigida, igualmente, por todos 12 .<br />

Assim, por qualquer das abordagens teóricas<br />

a que se fez referência, o texto de Sófocles<br />

nos coloca questionamentos sobre o sepultamento<br />

que, se analisados à luz das referências<br />

teóricas sobre o direito, nos leva à sugestão<br />

de que o sepultamento pode ser compreendido<br />

contemporaneamente como um direito humano<br />

fundamental, contido no feixe da dignidade<br />

da pessoa humana, que por esta razão não<br />

pode ser relativizado por uma imposição sancionatória<br />

que não se justifica validamente, pois,<br />

tanto em Antígona quanto na Guerrilha do Araguaia,<br />

a vedação ao sepultamento é uma forma<br />

de sanção àqueles que são acusados de atentar<br />

contra o Estado. É, porém, uma sanção que não<br />

atinge apenas o insepulto ou desaparecido, mas<br />

atinge todo o grupo que com ele compartilha<br />

da mesma visão de mundo, e atinge os membros<br />

desse grupo individualmente.<br />

O momento da tragédia de Antígona em<br />

que a mesma defende o sepultamento de Polinice<br />

diante de Creonte é tido como uma referência<br />

de uma exigência individual perante o<br />

Estado, como bem ressalta Alexandre de Moraes,<br />

não obstante a questão da individualidade<br />

do direito, neste texto, esteja sempre relacionada<br />

à sua origem divina 13 .<br />

Antígona defende o sepultamento como<br />

uma obrigação do Estado por ser um manda-<br />

12<br />

A referência às teorias acerca da validade e legitimidade<br />

remetem aos distintos pontos de vista que surgem das discussões<br />

entre comunitarismo e liberalismo, e substancialismo<br />

e procedimentalismo, e que permeiam o debate sobre<br />

o direito contemporaneamente. O que se quer demonstrar<br />

é que a defesa do direito ao sepultamento como um<br />

direito fundamental, pode ser admitida por qualquer dos<br />

posicionamentos teóricos.<br />

13<br />

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais.<br />

3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 24-25.<br />

145<br />

Movendo Ideias, Belém, v. 14, n.1, p.137-148, jun. 2009

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