C:\ARQUIVO DE TRABALHO 2010\EDI - Unama
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146<br />
mento atribuído a Polinice e a todos os outros<br />
seres humanos diretamente pelos Deuses, por<br />
isso não pode ser suprimido pela lei dos homens,<br />
assim como pode ser exigido individualmente<br />
por qualquer pessoa, em nome daquele<br />
que não pode mais fazê-lo.<br />
A consideração do direito ao sepultamento<br />
como um direito individual, questão que Sófocles<br />
apresenta em 450 a. C. sob a forma de dever<br />
do Estado que pode ser exigido pelo parente do<br />
insepulto, pois a compreensão de direito subjetivo<br />
só será elaborada a partir da Alta Idade Média,<br />
leva necessariamente à subjetivação deste direito,<br />
o que reforça a tese de que o sepultamento<br />
está contido no feixe da dignidade humana.<br />
A origem divina que Antígona confere a<br />
este direito reflete a ideia de que o culto aos<br />
mortos e, portanto, os ritos de sepultamento<br />
eram tão arraigados à tradição, que o sepultamento,<br />
como uma prática que sempre se fez<br />
presente desde tempos imemoriais, pode ser<br />
tido como um direito que surgiu com a própria<br />
existência humana, que por sua vez encontra<br />
origem na manifestação divina. Assim, Antígona<br />
retrata a oposição da regra imposta por aquele<br />
que tem o poder para editá-la àquela que<br />
decorre da vontade coletiva e dos deuses.<br />
Tradicionalmente, a tragédia de Antígona<br />
é tida como a representação da oposição<br />
entre Direito Positivo e Direito Natural. Essa tradição<br />
decorre, em grande parte, da interpretação<br />
de Hegel 14 , quando analisou o texto de Sófocles.<br />
Porém, quando Hémon, filho de Creonte,<br />
tenta demonstrar-lhe que toda a cidade de<br />
Tebas apoia Antígona, e que o governante não<br />
conseguirá governar contra a vontade de todo o<br />
seu povo por muito tempo, a dualidade entre<br />
direito positivo e direito natural abre espaço<br />
para mais uma questão, que se refere à fonte<br />
14<br />
HEGEL, G.W.F.. Fenomenologia do Espírito. São Paulo: Vozes,<br />
2003.<br />
da legitimidade do direito positivo, se o poder<br />
de editar as regras como decorrência do poder<br />
de governar, ou a soberania popular.<br />
Sófocles apresenta, assim, três perspectivas<br />
que podem ser apropriadas para a elaboração<br />
contemporânea sobre os direitos humanos:<br />
a representação do ponto de vista jusnaturalista,<br />
contido na norma de Direito Natural que<br />
se encontra na fala de Antígona, onde a legitimidade<br />
da norma é extraída de sua transcendência<br />
(a origem divina, que não mais se sustenta<br />
em termos de sociedades pós-tradicionais,<br />
é substituída pela essência da natureza<br />
humana como fonte dos direitos subjetivos); a<br />
representação do ponto de vista legalista – a<br />
validade da norma decorre de sua edição por<br />
aquele que tem competência para fazê-lo, contida<br />
na fala de Creonte, e a representação do<br />
ponto procedimental, onde a legitimidade contida<br />
na regra surge da soberania popular.<br />
O cenário elaborado por Sófocles se reproduz<br />
vinte e cinco séculos depois, no contexto<br />
da aplicação da Lei da Anistia. Como já se afirmou,<br />
se o sepultamento pode ser justificado<br />
como um dos direitos que compõem a dignidade<br />
da pessoa humana e, por isso, um direito fundamental,<br />
a Lei da Anistia, criada pelo regime de<br />
força, de exceção, por impedir a efetividade desse<br />
direito, deve ser considerada como uma regra<br />
dissociada do ponto de vista normativo, ou seja,<br />
uma regra com validade, porém, sem legitimidade,<br />
já que permite a violação de direito fundamental.<br />
Além disso, é regra que não encontra<br />
respaldo na soberania popular, já que não foi criada<br />
democraticamente, pois o regime de exceção<br />
revogou a constituição democrática que vigia<br />
à época do golpe militar, colocando em seu<br />
lugar um texto sem representatividade.<br />
Sequer é possível afirmar que a Lei da Anistia<br />
encontra respaldo na Carta Política elaborada<br />
pela ditadura, pois a Constituição de 1967, em seu<br />
Movendo Ideias, Belém, v. 14, n.1, p.137-148, jun. 2009