Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia ... - UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia ... - UFRJ
Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Filosofia ... - UFRJ
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
32<br />
momento <strong>de</strong> crise moral e material. 76<br />
A valorização <strong>do</strong> nacional nesse senti<strong>do</strong> leva a acreditar que os militares<br />
pensavam a socieda<strong>de</strong> como pouco crítica e sem vonta<strong>de</strong> própria. A busca por um<br />
nacionalismo era perseguida e foi exaltada em momentos específicos como no<br />
sesquicentenário da in<strong>de</strong>pendência ou quan<strong>do</strong> da conquista da copa <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> <strong>de</strong><br />
futebol em 1970. 77<br />
Nesse senti<strong>do</strong> a estética da fome vai <strong>de</strong> encontro a esse objetivo da ditadura<br />
militar. Se por um la<strong>do</strong> o Cinema Novo colocou o conteú<strong>do</strong> nacional, por outro expôs<br />
nas telas cinematográficas um país pouco conheci<strong>do</strong> da maioria <strong>do</strong>s brasileiros. Assim,<br />
são impactantes filmes como o <strong>de</strong> Glauber Rocha, Deus e o diabo na terra <strong>do</strong> sol que<br />
marca um diálogo direto <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r com o expecta<strong>do</strong>r e não é <strong>de</strong>scola<strong>do</strong> da realida<strong>de</strong><br />
social na qual o filme foi construí<strong>do</strong>. Um <strong>do</strong>s momentos mais claros <strong>de</strong>ssa ligação é<br />
quan<strong>do</strong> da morte <strong>do</strong> cangaceiro Corisco; ele cai <strong>de</strong> braços abertos e com a espada na<br />
mão grita: “mais forte são os po<strong>de</strong>res <strong>do</strong> povo”. 78<br />
Vale mencionar que este filme foi produzi<strong>do</strong> em 1964, justamente no acirrar tanto<br />
<strong>de</strong> movimentos <strong>de</strong> esquerda como <strong>de</strong> direita. Glauber consegue nele marcar os<br />
principais princípios da estética da fome, pois<br />
num só golpe, o estilo cinematográfico se afina as condições <strong>de</strong> sua<br />
produção, marca sua posição estético i<strong>de</strong>ológica ao cinema <strong>do</strong>minante, dá<br />
ensejo a que a própria textura <strong>do</strong> filme expresse o sub<strong>de</strong>senvolvimento que o<br />
condiciona e transforma a sua precarieda<strong>de</strong> técnica, <strong>de</strong> obstáculo, em fonte da<br />
sua riqueza <strong>de</strong> significações. 79<br />
Também quan<strong>do</strong> pensamos nos filmes produzi<strong>do</strong>s pelo Boca <strong>do</strong> Lixo não<br />
po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>scolá-lo <strong>de</strong> um momento específico em que parte <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> vivia, pois a<br />
década <strong>de</strong> 1960/70 foi justamente a que marcou pela revolução cultural. Revolução que<br />
começou a partir <strong>de</strong> novas formas familiares inician<strong>do</strong> as transformações que<br />
modificariam as relações sociais em várias partes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. 80 Assim, a revolução<br />
sexual diretamente e o pensamento <strong>de</strong> especialistas como Reich (que dava importância a<br />
livre expressão sexual) auxiliaram a produção <strong>de</strong> obras <strong>de</strong> cunho erótico.<br />
Embora essas obras marcassem claramente a comédia <strong>de</strong> costumes brasileira,<br />
76 I<strong>de</strong>m. p. 121.<br />
77 Sobre as comemorações <strong>do</strong> sesquicentenário ver:<br />
78 XAVIER, Ismael. Sertão mar: Glauber Rocha e a estética da fome. São Paulo: Cosacnaify, 2007. p.88.<br />
79 I<strong>de</strong>m. p. 112.<br />
80 HOBASBAWN, Eric. Era <strong>do</strong>s extremos: o breve século XX (1914 – 1991). São Paulo: Companhia das<br />
letras, 1995. pp. 314-336.