Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Eucli<strong>de</strong>sdaCunhaeopensamentosocialnoBrasil<br />
No prefácio da segunda edição <strong>de</strong> Rondonia, Roquette-Pinto afirma que seu<br />
objeto não era apenas o “homem primitivo”, o índio Paresí ou Nambikwára,<br />
mas também “os resultados da obra fecunda dos sertanejos do Brasil, dirigidos pelo i<strong>de</strong>al feito<br />
homem”. Dessa forma, além das discussões sobre a antropologia e a etnografia<br />
indígena, o livro retrata a preocupação com o que, em um artigo posterior, o<br />
antropólogo viria a chamar <strong>de</strong> “etnografia sertaneja” (Roquette-Pinto,<br />
1927:299).<br />
É no <strong>de</strong>bate sobre o sertanejo como base da nacionalida<strong>de</strong> que Rondonia<br />
revela uma forte dimensão <strong>de</strong> crítica social. Ao mesmo tempo em que, através<br />
dos povos da Serra do Norte, Roquette-Pinto reflete acerca da humanida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> seu tempo, também elabora comentários sobre a situação geral do<br />
país e sobre as condições locais específicas associadas ao extrativismo da<br />
borracha. Em Rondonia são recorrentes imagens contrastantes, como aquela<br />
<strong>de</strong> um país cindido (litoral-sertão, cida<strong>de</strong>-interior, etc), com forte inspiração<br />
na obra <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, e em Os Sertões em particular (Lima, Santos<br />
e Coimbra Jr., 2005).<br />
A partir da história <strong>de</strong> Benedito, seringueiro que encontrou em andrajos e<br />
faminto em sua incursão pelo vale do Rio Juruena, Roquette-Pinto <strong>de</strong>screve as<br />
condições sub-humanas do regime <strong>de</strong> barracão a que estavam submetidos os<br />
trabalhadores dos seringais e observa a importância <strong>de</strong> registrar a experiência<br />
daquele seringueiro como um “caso clínico <strong>de</strong> patologia social”. Segundo o relato,<br />
Benedito havia trabalhado durante 14 anos na extração <strong>de</strong> borracha, sabia<br />
ler muito mal e era caboclo <strong>de</strong> “complexa mestiçagem”. Após reproduzir a relação<br />
dos itens <strong>de</strong> alimentação, vestuário e higiene fornecidos a título <strong>de</strong> empréstimo<br />
ao trabalhador e observar que ele já contraíra dívida expressiva com o<br />
proprietário do seringal no ano anterior, Roquette-Pinto observa: “Eis aí o<br />
preço <strong>de</strong> um homem. Há uma diferença tão gran<strong>de</strong> entre o que são os brasileiros<br />
das cida<strong>de</strong>s e o que pa<strong>de</strong>cem as populações sertanejas, que até parecem habitantes<br />
<strong>de</strong> dois países diversos.” (Roquette-Pinto, 2005; p. 99).<br />
Em outro texto – “Eucli<strong>de</strong>s da Cunha naturalista”, publicado em 1927 na<br />
coletânea Seixos Rolados – Roquette-Pinto <strong>de</strong>tém-se novamente no tema <strong>de</strong> uma<br />
121