03.01.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Sob o signo <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s – um <strong>de</strong>poimento<br />

Na instância <strong>de</strong> Canudos causou escândalo, pois não se tratou <strong>de</strong> algo esporádico,<br />

porém sistematicamente executado, na frente dos generais, dos comandantes<br />

da campanha. Mas, porque se passava longe, no fundo do sertão, pensou-se<br />

que fora dali ninguém saberia, que não haveria testemunhas. Só que<br />

houve gente que saiu <strong>de</strong> lá disseminando a <strong>de</strong>núncia aos quatro ventos; e não<br />

só Eucli<strong>de</strong>s. O caso <strong>de</strong>le foi apenas mais notório, por causa do alcance do livro<br />

e do prestígio que adquiriu.<br />

A repressão foi inexorável. Ainda não havia napalm, mas a conhecida capacida<strong>de</strong><br />

do povo brasileiro para a improvisação – motivo <strong>de</strong> orgulho nacional –<br />

inventou uma coisa parecida. Os soldados <strong>de</strong>rramavam querosene sobre as casas<br />

e atiravam bastões <strong>de</strong> dinamite em cima: o efeito é <strong>de</strong> napalm, o fogo gruda<br />

na pele das pessoas e não apaga.<br />

A cólera <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s<br />

Os Sertões acabou por ser a expressão da consciência dilacerada <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s.<br />

Essa reviravolta ocorre, como vimos, quando <strong>de</strong>scobre a si mesmo como parte<br />

integrante do exército republicano em vias <strong>de</strong> chacinar o povo brasileiro – o<br />

mesmo exército que <strong>de</strong>stronou o imperador e liquidou a escravidão. As crenças<br />

<strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s fazem parte <strong>de</strong>sse conglomerado: acredita no exército, na missão<br />

civilizadora dos militares, no progresso, na ciência, na República, na<br />

emancipação do cativeiro, na Revolução Francesa.<br />

Ele vê, a si e aos outros, fazendo o papel <strong>de</strong> algoz. É incapaz <strong>de</strong> <strong>de</strong>cidir, porque<br />

não se <strong>de</strong>sliga inteiramente das crenças, nem do exército, <strong>de</strong> que aliás já estava<br />

reformado. Verificamos que às vezes toma o partido das tropas, às vezes dos<br />

canu<strong>de</strong>nses: o que já é um gran<strong>de</strong> avanço, porque apren<strong>de</strong>u a admirar aquelas<br />

pessoas. Pessoas que tinham tudo para fazê-lo horrorizar-se, como todo o Brasil<br />

estava horrorizado, porque eram atrasadas, supersticiosas, beatas, milenaristas,<br />

messiânicas, analfabetas, mestiças, e só queriam rezar o dia inteiro. Coisas abomináveis<br />

para uma mentalida<strong>de</strong> progressista, republicana e laica.<br />

97

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!