03.01.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Gilberto <strong>de</strong> Mello Kujawski<br />

“Não há muito quem bra<strong>de</strong> contra a centralização política e administrativa<br />

É uma flor <strong>de</strong> retórica <strong>de</strong> todo discurso <strong>de</strong> estreia; um velho bordão;<br />

uma perpétua chapa. Raros veem que a centralização não se operou ao sabor<br />

<strong>de</strong> alguns iniciadores, mas porque era um efeito inevitável <strong>de</strong> causas<br />

preexistentes. Supõe-se que ela matou a vida local, quando a falta da vida<br />

local foi um dos produtores da centralização” (O.C., III, p. 404).<br />

Eis um exemplo da capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>smistificação do humorismo machadiano.<br />

Ainda hoje é comum atribuir-se a falta <strong>de</strong> vida local à centralização político-administrativa,<br />

quando a história ensina que é o contrário que acontece.<br />

Este achado <strong>de</strong>smente a teoria conspiratória da história. A força das coisas é<br />

maior do que a vonta<strong>de</strong> dos grupos que agem isolados na sombra e na contramão<br />

do trânsito da vida política e social.<br />

Fica a pergunta no ar: será Machado <strong>de</strong> Assis o precursor do humorismo<br />

carioca, com seu humor <strong>de</strong> folhetim, seu “ar brincalhão e galhofeiro” nas crônicas,<br />

conforme ele, <strong>de</strong>liberadamente, proclamava<br />

Repetimos que Machado foi um carioca da gema e orgulhava-se disso. Ser carioca<br />

significa armazenar um capital <strong>de</strong> experiência histórica, social, política e cultural<br />

superior ao que é comum no restante do nosso país. O Rio <strong>de</strong> Janeiro, do alto<br />

do Corcovado, assistiu e participou <strong>de</strong> tudo o que aconteceu <strong>de</strong> importante no<br />

Brasil <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a chegada <strong>de</strong> D. João VI em 1808. Toda esta vivência acumulada e<br />

fermentada na memória coletiva imprimiu ao habitante do Rio <strong>de</strong> Janeiro um perfil<br />

privilegiado, distinto dos naturais <strong>de</strong> outros Estados. O carioca é o único brasileiro<br />

que não é provinciano. Porque viveu muito tempo à sombra da corte imperial,<br />

<strong>de</strong>pois da capital da República, numa cida<strong>de</strong> que era a primeira a receber as novida<strong>de</strong>s<br />

que chegavam <strong>de</strong> fora, e on<strong>de</strong> se tomavam <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> interesse nacional,<br />

com todo o contexto que tais <strong>de</strong>cisões pressupunham, como a opinião pública,<br />

mais sensível na capital, a imprensa, e a socieda<strong>de</strong> organizada (patrões, trabalhadores,<br />

socieda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> classe, Exército, Igreja, intelectuais, etc.).<br />

No Rio <strong>de</strong> Janeiro a permeabilida<strong>de</strong> entre as classes sociais é muito maior<br />

do que em outros pontos do Brasil. Existe um diálogo e uma aproximação<br />

muito maior entre a elite e o povo do que em outros estados, nos quais as clas-<br />

168

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!