Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Dom <strong>de</strong> poesia<br />
A vida é vista como um caminho, um percurso breve e intenso, ao fim do<br />
qual ele se vê com menos certezas do que quando partira. E se o mar e a noite<br />
parecem sorver as nossas vozes individuais, a poesia permanece como um lampejo<br />
<strong>de</strong> consciência difuso, testemunho <strong>de</strong> amor, profecia da noite que, mais<br />
do que nos abater, revela afinal que a vida <strong>de</strong>ve ser vivida.<br />
Trata-se, aqui, <strong>de</strong> uma poesia elegíaca, mas, ao mesmo tempo, límpida e luminosa,<br />
poesia <strong>de</strong> um amor <strong>de</strong>clarado à amada perdida, saudação a um tempo<br />
compartilhado com os seres queridos, recuperação da memória, balanço dos caminhos<br />
feitos e dos lugares vistos, abraço fraterno e passional à existência e às<br />
palavras que a tornam verda<strong>de</strong>ira, <strong>de</strong>spedida da infância, pranto contido e prece.<br />
Réquiem, o título da obra, é a primeira palavra da oração latina, na liturgia<br />
dos mortos, requiem aeternam dona eis Domine, “o repouso eterno doe-lhes, ó Senhor”.<br />
O réquiem é uma invocação e é o canto <strong>de</strong> uma ausência. Celebrar ou<br />
cantar o réquiem é reviver, na memória, a pessoa ausente, é refletir sobre laços e<br />
relações interrompidos repentinamente. Nesse sentido, o réquiem faz parte<br />
daquele processo <strong>de</strong> elaboração do luto que é fundamental para que possamos<br />
aceitar a separação, a perda das pessoas queridas.<br />
O pranto pela morte da amada se associa aqui, porém, à evocação do amor<br />
humano intenso e pungente, como é próprio da elegia. De fato, ao elaborar o<br />
luto, Lêdo Ivo celebra, ao mesmo tempo, e obstinadamente, a vida compartilhada<br />
em plenitu<strong>de</strong>, reafirma ainda e sempre a ternura e o milagre dos afetos, a<br />
intensida<strong>de</strong> do sentimento <strong>de</strong> união que ele estabelece com os seres e coisas,<br />
mesmo as menores e aparentemente insignificantes:<br />
Sempre amei o dia que nasce. A proa do navio,<br />
a clarida<strong>de</strong> que avança entre as sombras esparsas,<br />
o longo murmúrio da vida nas estações ferroviárias.<br />
(...)<br />
E sempre amei o amor, que é como as alcachofras,<br />
algo que se <strong>de</strong>sfolha, algo que escon<strong>de</strong><br />
um ver<strong>de</strong> coração in<strong>de</strong>sfolhável.<br />
(...)<br />
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