Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Gilberto <strong>de</strong> Mello Kujawski<br />
Nesta i<strong>de</strong>ntificação dominante com sua cida<strong>de</strong>, Machado respon<strong>de</strong> em tudo e<br />
por tudo ao feitio espiritual do mundo clássico grego. O cenário, o lugar natural<br />
do homem na Grécia e em Roma era a cida<strong>de</strong>, a polis eaurbs. Na cida<strong>de</strong> antiga seus<br />
habitantes viviam reunidos na ágora e no fórum, e só nesta contiguida<strong>de</strong>, nesta<br />
fricção corpo a corpo, assumiam sua condição <strong>de</strong> cidadãos. Somente associado<br />
com seus concidadãos na praça pública, e não isolado em casa, é que o homem antigo<br />
se encontrava consigo mesmo. “A cida<strong>de</strong> – escreve Fustel <strong>de</strong> Couanges – era a<br />
associação religiosa e política das famílias e das tribos, a urbe o lugar da reunião, o<br />
domicílio e sobretudo o santuário <strong>de</strong>sta socieda<strong>de</strong>” (A Cida<strong>de</strong> Antiga).<br />
O Brasil machadiano contraía-se, comprimia-se na capital brasileira, a cida<strong>de</strong><br />
do Rio <strong>de</strong> Janeiro. A vivência da circunstância municipal, com seu cotidiano<br />
miúdo mas saboroso, predominava <strong>de</strong> longe sobre a preocupação com o<br />
Brasil como um todo, inclusive porque o centro <strong>de</strong> gravitação política, social e<br />
cultural <strong>de</strong> seu tempo era a corte.<br />
Nada acontecia <strong>de</strong> importante que não nascesse na corte ou não passasse<br />
por ela, com sua concentração fervilhante <strong>de</strong> vida, história, comércio e novida<strong>de</strong>s<br />
em todos os setores.<br />
Não que Machado não tomasse conhecimento do Brasil como um todo, na sua<br />
integração política e social. Não é preciso apresentar-se como um militante político,<br />
ligado a partidos, i<strong>de</strong>ologias e facções, para somar com o interesse nacional.<br />
Não é necessário cantar com fervor o hino nacional e jurar a ban<strong>de</strong>ira batendo no<br />
peito para mostrar-se patriota. Patriotismo não é nem histrionismo cívico, nem fanatismo<br />
nacionalista. Patriotismo é o compromisso com o projeto <strong>de</strong> vida coletivo<br />
queéaminhapátria.Ézelar pelo contorno social, material e cultural em que eu<br />
vivo. E o contorno mais próximo <strong>de</strong> nós está precisamente na cida<strong>de</strong> em que passamos<br />
nosso dia-a-dia. O amor à pátria, quando não consiste num palavreado vazio,começanoamoràminhacida<strong>de</strong>eàminharegião.Éimplantadonaminhacida<strong>de</strong><br />
natal ou adotiva que visualizo o país como um todo, maior e mais distante do<br />
que meu município. O amor vai do próximo para o distante. Começa amando o<br />
mais próximo <strong>de</strong> nós, o circunstancial, o que está em torno, as mil e uma miu<strong>de</strong>zas<br />
do cotidiano, para <strong>de</strong>pois alcançar o maior e o mais distante, o país, a pátria.<br />
160