Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Renato Kovach<br />
nos países lusófonos. Além disso, sofreu perseguições e processos, frutos <strong>de</strong><br />
total inveja, sendo que nos anos 50 foi excluído da carreira diplomática e <strong>de</strong>pois<br />
reintegrado a ela. Nos anos 60, durante a ditadura militar, foi novamente<br />
atingido por perseguição política, que o fez sofrer física e emocionalmente,<br />
tendo sido, <strong>de</strong> certo modo, um Capitão Dreyfus brasileiro, com a especial característica<br />
<strong>de</strong> ter sido ele mesmo o seu Émile Zola do “J’accuse”, pois escreveu<br />
sua própria <strong>de</strong>fesa no livreto com este mesmo nome: “A Defesa”. Foi reconduzido<br />
ao Itamarati como embaixador. Persistiu na brilhante missão <strong>de</strong> dirigente<br />
do Partido Socialista, junto com Roberto Amaral e Miguel Arraes. Foi guindado,<br />
na política, ao Ministério da Cultura, no governo Itamar Franco, com<br />
verba ínfima <strong>de</strong> 0,03%, lutando com <strong>de</strong>nodo para ampliá-la. Abriu caminhos<br />
essenciais à reestruturação do Cinema Novo e da organização do Patrimônio<br />
Histórico e Cultural do país. Ficou menos <strong>de</strong> um ano no cargo, por razões médicas<br />
e políticas. Em suma, Houaiss foi um gran<strong>de</strong> humanista brasileiro.<br />
Fiz um verda<strong>de</strong>iro curso <strong>de</strong> pós-graduação na Universida<strong>de</strong> da Vida, tendo<br />
como principal mentor Antonio Houaiss, o cidadão do mundo. Só fiz apren<strong>de</strong>r<br />
com tamanha qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> humanismo, <strong>de</strong> ética, <strong>de</strong> abnegação e <strong>de</strong> amor<br />
ao próximo. Embora se consi<strong>de</strong>rasse agnóstico, eu o julgava um homem <strong>de</strong> fé,<br />
sobretudo no ser humano. Cultivava a humilda<strong>de</strong> e a esperança. Lembrava um<br />
Gandhi em muitos sentidos. Creio que, nas suas últimas meditações, mostrou-se<br />
<strong>de</strong>sejoso <strong>de</strong> chegar-se a uma religião. Sua sensibilida<strong>de</strong> maior era pela<br />
linguagem falada e escrita, daí o seu amor às letras. Talvez tenha, além <strong>de</strong> sua<br />
obra ensaística, política e enciclopédica, o maior número <strong>de</strong> apresentações em<br />
“orelha” <strong>de</strong> livros publicados por diversos autores, tanto estreantes como já<br />
consagrados. Tinha, além das letras, muita sensibilida<strong>de</strong> para o pictórico, ou<br />
seja, pinturas, <strong>de</strong>senhos, esculturas, fotografias e cinema. Não tinha especial<br />
atração pela música, o que me chamava a atenção. Mas não se po<strong>de</strong> ser tudo.<br />
Era também particularmente sedutor no contato humano, e é bom não ressaltar<br />
<strong>de</strong>mais este atributo. Apesar <strong>de</strong> sua presença física frágil, era dotado <strong>de</strong><br />
mente po<strong>de</strong>rosa e envolvente. Não por acaso os amigos <strong>de</strong> fala inglesa pronunciavam<br />
seu sobrenome como Wise (Sábio), em vez do complicado Houaiss.<br />
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