Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Walnice Nogueira Galvão<br />
Foi um esforço tremendo, algo admirável: ser capaz <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r a respeitar<br />
os conselheiristas, compreen<strong>de</strong>r o que estava se passando com eles. É por isso<br />
que a linguagem <strong>de</strong> Os Sertões a certa altura começa a se impregnar da visão dos<br />
vencidos. Eucli<strong>de</strong>s adota em parte o ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong>les e começa a ver aquele<br />
mundo, o Belo Monte, que ele batiza <strong>de</strong> Nova Jerusalém, como que reencantado<br />
pela fé.<br />
E exatamente porque é incapaz <strong>de</strong> tomar um e um só partido, é que seu livro<br />
fica ainda mais interessante. Em suas páginas, o leitor acompanha o conflito e<br />
a tensão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s. Não é só na exteriorida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma crônica da guerra<br />
que há conflito e tensão: também <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>le há um esforço convulsivo para<br />
chegar a enten<strong>de</strong>r alguma coisa.<br />
Quanto ao nível retórico, o livro é tão elaborado, tão sofisticado, mobiliza<br />
tantos conhecimentos... Fez sucesso, mas hoje eu me pergunto se Os Sertões não<br />
são daquelas gran<strong>de</strong>s obras que todo mundo menciona, mas ninguém lê. Tenho<br />
a impressão <strong>de</strong> que Os Sertões são um pouco um fetiche, que é preciso exibir<br />
na estante. Quando eu era criança, estava presente na biblioteca da casa <strong>de</strong><br />
meus pais e <strong>de</strong> toda casa a que eu ia. Hoje já nem tanto, há um aparelho <strong>de</strong> televisão<br />
no lugar antes ocupado por Os Sertões.<br />
Retomando: é um pouco um fetiche da nacionalida<strong>de</strong>, da brasilida<strong>de</strong>, do<br />
bem-escrever, da bela fala, da retórica que nós tanto apreciamos no Brasil, ainda,<br />
apesar <strong>de</strong> tudo. Apesar <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, apesar da poesia <strong>de</strong> João Cabral<br />
<strong>de</strong> Mello Neto, apesar do imperialismo do audiovisual e do evangelho digital.<br />
A impenetrabilida<strong>de</strong> do discurso confere prestígio e o torna mais respeitável.<br />
Ao que parece, quem fala difícil está acima dos outros, é mais inteligente,<br />
sabe das coisas. Penso que tem muito a ver com a oralida<strong>de</strong> <strong>de</strong> nossa cultura.<br />
Olavordasletras<br />
Grandiloquente e altissonante, Os Sertões instauram seu discurso na clave <strong>de</strong><br />
uma retórica do excesso. Mesmo com o pano <strong>de</strong> fundo do parnasianismo, à época,<br />
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