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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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Walnice Nogueira Galvão<br />

te dos franceses. O close reading, que Antonio Candido traduziria como “leitura<br />

cerrada”, faz-se rente ao texto, colando-se nele, nos <strong>de</strong>talhes. Coloca-se o<br />

contexto entre parênteses, para não correr o risco do extravio por rumos in<strong>de</strong>vidos.<br />

Respeitando a especificida<strong>de</strong> da literatura, não se po<strong>de</strong> estudar um texto literário<br />

como se fosse um documento histórico ou sociológico ou psicanalítico,<br />

coisa que muita gente faz. Vai-se primeiro ao literário, <strong>de</strong>pois po<strong>de</strong>m-se<br />

expandir os horizontes. Estu<strong>de</strong>i com Antonio Candido a teoria do “círculo<br />

hermenêutico”, que vem da estilística alemã. Pega-se um pormenor do texto,<br />

que po<strong>de</strong> ser, por exemplo, o que chamo <strong>de</strong> matriz fônica, ou seja, um grupo<br />

<strong>de</strong> fonemas que se repete <strong>de</strong> várias maneiras em diferentes sintagmas. Testa-se<br />

como aquela matriz fônica funciona no texto e <strong>de</strong>pois vai-se alargando o círculo.<br />

Começa-se a ligá-lo à história, à política, à socieda<strong>de</strong>, à época, para <strong>de</strong>pois<br />

voltar àquele pormenor.<br />

“Troia <strong>de</strong> taipa”, antonomásia euclidiana para Canudos, oferece um bom<br />

exemplo <strong>de</strong> funcionamento do círculo hermenêutico. Oximoro baseado na aliteração,<br />

sua eficácia começa por ser sonora: dois dissílabos aliterantes, iniciados<br />

por “t”, unidos pela preposição “<strong>de</strong>” que sonoriza o mesmo fonema, apoiados<br />

em ditongos tônicos agudos (-ói, -ai); ambos terminam em “a” e aproximam<br />

termos opostos. O paralelismo do significante entra em tensão com o contraste<br />

do significado. Para chegar a interpretar o conjunto do sintagma, tem-se que<br />

abrir o círculo, consi<strong>de</strong>rar as implicações <strong>de</strong> Tróia – berço <strong>de</strong> heróis, disputada<br />

pelos <strong>de</strong>uses –, a gloriosa cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mármore que Homero cantou, e taipa,queé<br />

o modo paupérrimo <strong>de</strong> construção brasileiro, do interior, sertanejo, em barro<br />

batido. A aproximação dos dois termos transfere para a guerra <strong>de</strong> Canudos as<br />

associações dignificantes da guerra <strong>de</strong> Tróia.<br />

Outros estudos, mais do que literários, tornam-se necessários à compreensão<br />

do objeto do livro. Quando se trata <strong>de</strong> algo tão <strong>de</strong>nso quanto Os Sertões,outros<br />

campos do saber são obrigatoriamente convocados. Não se po<strong>de</strong> escapar,<br />

por exemplo, a seu cunho <strong>de</strong> levante camponês, tema que é preciso abordar.<br />

Fui buscar Max Weber para enten<strong>de</strong>r a laicização da socieda<strong>de</strong> burguesa e o<br />

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