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Prosa - Academia Brasileira de Letras

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O luar e o lugar dos sertões<br />

comum que, ou por gosto próprio ou na onda da repercussão entre os letrados,<br />

o lê e o admira, mesmo sem compreendê-lo bem, uma coisa assim como<br />

se passa com Os Lusíadas. Pouca gente tem a coragem <strong>de</strong> Mário <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong><br />

para dizer que não conseguia ler inteiramente o livro <strong>de</strong> Camões. É que se trata<br />

mesmo (no caso do livro sobre Canudos) <strong>de</strong> uma linguagem difícil, <strong>de</strong> uma escrita<br />

apaixonada e já um pouco envelhecida para o <strong>de</strong>salentado leitor da época<br />

da televisão e da internet. O interessante é que não se passa o mesmo com as<br />

obras <strong>de</strong> ficção, como os livros <strong>de</strong> Machado <strong>de</strong> Assis, por exemplo.<br />

As observações científicas <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha, expressas numa linguagem<br />

audaciosa que se queria literária e se a<strong>de</strong>quava intensamente à visão positivista<br />

do autor, contagiaram muitos cientistas sociais que no entanto não<br />

tiveram o talento <strong>de</strong> criar uma forma especial <strong>de</strong> escrever, como ele fez, com<br />

um olho na paisagem e nos acontecimentos, e outro na linguagem que refletia<br />

duplamente – as formas <strong>de</strong> um conteúdo <strong>de</strong> miséria e o sofrimento do<br />

cientista-escritor em <strong>de</strong>nunciá-las.<br />

A história literária no Brasil se iniciou firmada no <strong>de</strong>terminismo <strong>de</strong> Taine,<br />

nas suas forças primordiais: Raça, Meio e Momento, como também a obra <strong>de</strong><br />

Eucli<strong>de</strong>s da Cunha se criou <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sses postulados filosófico-científicos. Ainda<br />

na meta<strong>de</strong> do século XX, os historiadores não conseguiam pensar fora <strong>de</strong> tais<br />

coor<strong>de</strong>nadas, tratando a história como se ela fosse crítica e vice-versa e ocupando<br />

assim um lugar que não era bem o que <strong>de</strong>sejavam – um entrelugar – entreaCríticaeaHistóriaLiterária,entreaCiênciaeaLiteratura,entreaestruturaparticular<br />

<strong>de</strong> Os Sertões e os diversos gêneros da Literatura. Neste sentido, as histórias literárias<br />

brasileiras, na sua maioria, não passaram <strong>de</strong> quadros sobre os autores,<br />

ilustrados com comentários críticos. Não se pensava na transformação dos elementos<br />

literários <strong>de</strong> obra para obra e <strong>de</strong> época para época. Presas ao mo<strong>de</strong>lo da<br />

história geral, as nossas histórias literárias não souberam ir além dos contextos,<br />

quase sempre políticos. Daí a repetição dos conceitos críticos sobre Os Sertões, o<br />

medo <strong>de</strong> encarar seriamente a nova realida<strong>de</strong> que o livro punha à mostra, a obsessão<br />

pelo “estilo <strong>de</strong> cipó” que não compreen<strong>de</strong>ram bem, principalmente nos<br />

primeiros tempos, e o sentido <strong>de</strong> “fuga”, <strong>de</strong> escamoteação na procura sempre<br />

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