Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
Prosa - Academia Brasileira de Letras
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Evocação <strong>de</strong> Rachel <strong>de</strong> Queiroz no seu primeiro centenário<br />
ma coisa mais para que se o possa chamar precisamente <strong>de</strong> romance”. Mas esse<br />
reparo serve antes para indicar os elementos <strong>de</strong> sóbria mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> ou <strong>de</strong> permanência,<br />
<strong>de</strong> equilíbrio entre a herança e a ruptura, a percepção do novo que a<br />
obra trazia para os quadros da ficção brasileira, então mais ou menos estáticos,<br />
como, aliás, quase tudo na vida brasileira anterior à década <strong>de</strong> 30. O primeiro<br />
romance <strong>de</strong> Rachel <strong>de</strong> Queiroz representava um progresso até com relação a<br />
alguns aspectos <strong>de</strong> A Bagaceira, <strong>de</strong> José Américo <strong>de</strong> Almeida, marco <strong>de</strong>ssa literatura,<br />
hoje com importância mais histórica que literária, que antecedia a O Quinze<br />
apenas <strong>de</strong> dois anos. Seria uma síntese <strong>de</strong> tradicionalismo e mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, acima<br />
das escolas, o que daria forma à proposta estética da escritora.<br />
O crítico português Adolfo Casais Monteiro, no seu estudo “Um romance<br />
que não envelheceu” (acrescentado à edição <strong>de</strong> O Quinze), foi “levado a pensar<br />
que a mestria <strong>de</strong> Rachel <strong>de</strong> Queiroz se <strong>de</strong>ve à sua ‘inocência’: a <strong>de</strong> ter posto no<br />
papel a sua emoção sem a condicionar a uma tese, ou, sequer, à preocupação <strong>de</strong><br />
procurar inocentes e culpados”. Ele supõe que o milagre está em que “Rachel<br />
não quis fazer literatura; e por isso o seu primeiro romance resultou na gran<strong>de</strong><br />
obra literária que ela podia fazer, posta ante a experiência que vivera fundamente<br />
no mais íntimo do seu coração”. O Quinze não envelheceu porque a matéria da<br />
qual é feito está isenta do peso da ida<strong>de</strong>: a simplicida<strong>de</strong>, a sobrieda<strong>de</strong> da construção,<br />
a niti<strong>de</strong>z das formas, a emoção sem grandiloquência.<br />
Na sua contribuição à mo<strong>de</strong>rna ficção brasileira, <strong>de</strong>staca-se o acervo estilístico,<br />
na linha da expressão direta e da incorporação da fala regional; o acervo<br />
temático, referente a problemas sociais como a seca, o cangaço e o êxodo sertanejo;<br />
e o acervo técnico, no sentido do processo narrativo mo<strong>de</strong>rno, em que a<br />
narrativa se faz pela fragmentação dos episódios.<br />
O romance O Quinze é uma ação conduzida em dois planos, ligados pela figura<br />
central <strong>de</strong> Conceição, que pertence aos dois. É através da sua experiência, através<br />
do que ela sente, que os ricos e pobres confluem. Conceição é a fusão da personagem<br />
com a autora, é ela que dá autenticida<strong>de</strong> a cada um dos mundos e, tornando-os<br />
próximos, evitando a conhecida divisão entre “bons pobres” e “maus ricos”,<br />
nos faz sentir, num plano muito superior, a igual inevitabilida<strong>de</strong> do drama. As<br />
71