03.01.2015 Views

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

Prosa - Academia Brasileira de Letras

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

MachadoeoRio<strong>de</strong>Janeiro<br />

“Ontem <strong>de</strong> manhã, indo ao jardim, como <strong>de</strong> costume, achei lá um burro.<br />

Não leram mal, meus senhores, era um burro <strong>de</strong> carne e osso, <strong>de</strong> mais osso que<br />

carne. Ora, eu tenho rosas no jardim, rosas que cultivo com amor, e que me<br />

querem bem, que me saúdam todas as manhãs com os seus melhores cheiros, e<br />

dizem sem pudor cousas mui galantes sobre as <strong>de</strong>lícias da vida, porque eu não<br />

consinto que as cortem do pé. Hão <strong>de</strong> morrer on<strong>de</strong> nasceram” (O.C., III, 610).<br />

Então, o autor <strong>de</strong>ssas linhas tão joviais e simpáticas acaso não estaria <strong>de</strong><br />

bem com a vida<br />

Machado <strong>de</strong> Assis, precursor do humorismo<br />

carioca<br />

Na ficção, isto é, no romance e no conto, Machado podia fazer praça <strong>de</strong> realismo,<br />

ceticismo, pessimismo e outros dogmas, mas na crônica livrava-se <strong>de</strong> todo este<br />

compromisso doutrinário, reconquistando, mediante o humorismo, que se diverte<br />

com as posições <strong>de</strong>finitivas e dogmáticas, sua liberda<strong>de</strong> interior. De on<strong>de</strong> se conclui<br />

que a nota distintiva do humorismo machadiano, na crônica, está na recuperação<br />

<strong>de</strong> sua autenticida<strong>de</strong> pessoal, <strong>de</strong> sua liberda<strong>de</strong> criadora, acima e à parte <strong>de</strong> suas<br />

convicções filosóficas e dos conceitos e preconceitos das escolas literárias <strong>de</strong> seu<br />

tempo. Como cronista, Machado voltava a ser ele mesmo, livre <strong>de</strong> qualquer compromisso<br />

com o “outro”, o cético, o pessimista, o <strong>de</strong>scrente.<br />

“Não me obriguem os leitores a pôr os colarinhos do estilo grave...” (O.C.,<br />

III, p. 403). O humorismo machadiano, temperado <strong>de</strong> ironia, é seu encontro<br />

com as coisas postas em seu lugar. Rompe convenções, estoura lugares-comuns,<br />

questiona i<strong>de</strong>ias feitas, <strong>de</strong>smascara hipocrisias, <strong>de</strong>smoraliza figuras <strong>de</strong><br />

retórica e <strong>de</strong>volve ao escritor sua autonomia e sua elasticida<strong>de</strong> <strong>de</strong> espírito próprias<br />

para encarar as coisas sob ângulos mais autênticos e verazes.<br />

Brincando, brincando, refletindo, refletindo, <strong>de</strong>scobre realida<strong>de</strong>s insuspeitas,<br />

disfarçadas sob a capa do lugar-comum repetido à exaustão, e da inércia<br />

mental irremovível:<br />

167

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!