Prosa - Academia Brasileira de Letras
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O louva-a-<strong>de</strong>us e as folhas amarelas<br />
Filho <strong>de</strong> um estadista, Afonso Arinos foi também um estadista da República.<br />
Nele, na figura múltipla e íntegra, <strong>de</strong>sfilam o cidadão, o professor <strong>de</strong> Direito,<br />
o embaixador, o ministro <strong>de</strong> Estado, o jurista e constitucionalista, o parlamentar,<br />
o historiador, o tribuno, o viajante, que tanto amara Roma, embora<br />
cheirasse mais a Paris, o cientista social e político, o crítico literário, o jornalista,<br />
o autor <strong>de</strong> memórias incomparáveis (A Alma do Tempo, Planalto, A Escalada,<br />
Maralto) nas quais se expan<strong>de</strong> a sua vigorosa individualida<strong>de</strong>, no movimentado<br />
cenário em que transcorrem a sua existênca pessoal e familiar e a participação na<br />
vida nacional; o ensaísta <strong>de</strong>senvolto <strong>de</strong> Mar <strong>de</strong> Sargaços e Portulano, que apren<strong>de</strong>u<br />
nas releituras fiéis e frequentes do Essais <strong>de</strong> Montaigne, seu livro <strong>de</strong> cabeceira, a<br />
exercer o mais ondulante e diverso dos gêneros literários; o autor do clássico O<br />
Índio Brasileiro e a Revolução Francesa; o prosador musculoso, que escrevia num estilo<br />
belo, metálico e <strong>de</strong> notável expressivida<strong>de</strong>; o biógrafo que soube reviver a<br />
vida <strong>de</strong> seu pai, Afrânio <strong>de</strong> Melo Franco, e a do Presi<strong>de</strong>nte Rodrigues Alves. E<br />
ainda o Afonso Arinos cercado <strong>de</strong> amigos.<br />
A longa amiza<strong>de</strong> que o ligou a Ribeiro Couto faz-me recordar uma confidência<br />
que ele me fez em várias ocasiões: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a mocida<strong>de</strong> <strong>de</strong>sejava escrever um livro<br />
sobre as gran<strong>de</strong>s amiza<strong>de</strong>s literárias. O projeto sempre adiado privou a nossa<br />
literatura <strong>de</strong> um ensaio que haveria <strong>de</strong> ter, em sua trama, a presença ou a sombra<br />
<strong>de</strong> sua dilatada convivência montaigneana–adoMontaignedo“De l’amitié”.<br />
Esse <strong>de</strong>sejo irrealizado <strong>de</strong> Afonso Arinos impõe uma reflexão.<br />
Quantos livros sonhados terminaram não sendo escritos: sobe à minha lembrança<br />
que José Lins do Rego, nos dias finais num leito <strong>de</strong> hospital, envolvia-me<br />
com a exposição do projeto <strong>de</strong> dois romances que ainda pretendia escrever:<br />
Cerca Viva, história <strong>de</strong> um homem agrilhoado a uma obsessão amorosa, e<br />
<strong>de</strong>senrolado em Vassouras; e O Menino e o Carneiro, no qual <strong>de</strong>certo se entrelaçariam<br />
a sua infância e a sua imaginação. Mas os livros sonhados e não escritos<br />
fazem parte <strong>de</strong> nossas biografias. Os espelhos dos nossos <strong>de</strong>sejos e dos nossos<br />
sonhos refletem imagens verda<strong>de</strong>iras.<br />
Todos esses Afonso Arinos diversos, mas inseparáveis, compõem a verda<strong>de</strong><br />
e o mistério <strong>de</strong> uma vida que conciliou os <strong>de</strong>veres e paixões da atração po-<br />
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