Prosa - Academia Brasileira de Letras
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Eucli<strong>de</strong>sdaCunhaeopensamentosocialnoBrasil<br />
“a intelectualida<strong>de</strong> local, para exorcizar a <strong>de</strong>núncia que contém, <strong>de</strong>finiu a<br />
obra como arte literária: [...] a crítica indígena não vos compreen<strong>de</strong>u cabalmente.<br />
Tomou o vosso livro por um produto meramente literário [...]. Viu<br />
nele apenas as cintilações <strong>de</strong> estilo[...], consi<strong>de</strong>rou-o ao <strong>de</strong>mais como uma<br />
espécie <strong>de</strong> oposição política [...]. Vosso livro não é um produto <strong>de</strong> literatura<br />
fácil, ou <strong>de</strong> politiquismos inquietos. É um sério e fundo estudo social <strong>de</strong><br />
nosso povo”. (Romero, 2005, p 286).<br />
Para Romero a natureza sociológica era contraposta à literária, que não é o<br />
ponto <strong>de</strong> vista aqui adotado. A qualida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> Os Sertões está exatamente<br />
neste consórcio entre ciência e arte, e, mesmo no âmbito das ciências sociais, a<br />
força expressiva da linguagem não é questão <strong>de</strong> menor importância, quer no passado,<br />
quer em nossa contemporaneida<strong>de</strong>. A<strong>de</strong>mais, ainda que à época <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s<br />
da Cunha tenha se verificado todo um esforço <strong>de</strong> especialização da ciência e<br />
sua diferenciação com relação ao mundo das letras, o consórcio a que me referi<br />
caracterizou a obra <strong>de</strong> muitos outros autores <strong>de</strong> seu tempo (Sá, 2006).<br />
Neste texto consi<strong>de</strong>ro a obra <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha como um marco na abordagem<br />
dos contrastes nacionais e da percepção <strong>de</strong> conflitos e antagonismos<br />
como característica do processo <strong>de</strong> formação histórica e da reflexão intelectual<br />
sobre o país. Pretendo também apresentar evidências <strong>de</strong> como, sobretudo, Os<br />
Sertões esteve presente na imaginação social e política sobre o país, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> as duas<br />
primeiras décadas do século XX, e na agenda das ciências sociais brasileiras em<br />
um período crucial <strong>de</strong> sua formação, durante os anos <strong>de</strong> 1940 a 1960.<br />
O argumento sociológico <strong>de</strong> Os Sertões<br />
Muitas páginas já foram e continuam a ser escritas sobre o evolucionismo e<br />
o <strong>de</strong>terminismo biológico/racial e geográfico na obra <strong>de</strong> Eucli<strong>de</strong>s da Cunha,<br />
em Os Sertões em particular. Afirma-se a influência do filósofo polonês Gumplowicz<br />
com sua teoria sobre o conflito das raças e a dos textos do historiador<br />
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