Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade
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Traços históricos são encontrados em diversas partes de<br />
Flores de Goiás, como por exemplo, o atual cemitério, construído<br />
<strong>sobre</strong> antigas ruínas de um casarão que, de acordo com as<br />
narrativas orais, constituíam uma habitação tradicional. Portanto,<br />
partes do casarão seriam de uma senzala. As ruínas atualmente<br />
são bem visíveis, pois se tratam de grandes pedras enterra<strong>da</strong>s<br />
no chão, que, no passado, teriam sido as bases <strong>da</strong> construção.<br />
Estas demarcam um quadrado no cemitério e de acordo com as<br />
pessoas entrevista<strong>da</strong>s, estas bases simbolizavam obstáculos para<br />
que aqueles em situação de <strong>escravidão</strong> não conseguissem cavar o<br />
chão e escapar. Causou espécie a reflexão acerca do antigo espaço<br />
de enclausuramento de pessoas hoje ter se tornado um cemitério.<br />
É válido destacar que os membros <strong>da</strong> comissão chegaram<br />
à comuni<strong>da</strong>de de Flores num dia de intenso calor e quase<br />
inexistência de vento. Quando a equipe adentrou ao cemitério,<br />
entretanto, foi surpreendi<strong>da</strong> por um redemoinho que começou a<br />
se formar bem no centro do quadrado <strong>da</strong> antiga senzala. As folhas<br />
<strong>da</strong>s árvores do cemitério foram suspensas e to<strong>da</strong>s subiram, como<br />
que em uma <strong>da</strong>nça, a uma altura de cerca de oito ou dez metros.<br />
Os membros <strong>da</strong> comissão ficaram muito tocados pelo ocorrido,<br />
conforme depoimento deles próprios:<br />
“Nossa equipe ficou muito impressiona<strong>da</strong>, com alguns/mas<br />
integrantes arrepia<strong>da</strong>s/os e emociona<strong>da</strong>s/os. Para to<strong>da</strong>s/os<br />
nós ficou a grande impressão que se tratava de uma espécie de<br />
boas vin<strong>da</strong>s <strong>da</strong>s/os nossas/os ancestrais. Nas epistemologias<br />
afro-brasileiras de nação Keto e Angola, o vento é domínio <strong>da</strong><br />
orixá Iansã e Mbambulucema e são energias liga<strong>da</strong>s à luta,<br />
justiças e comunicação com os mortos.”<br />
Outro ponto histórico de destaque é a igreja dedica<strong>da</strong> à<br />
Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, prédio construído em<br />
1770 pelos escravizados com doações de senhoras ricas (brancas<br />
e <strong>negra</strong>s), as quais doaram também uma fazen<strong>da</strong> à Santa. Neste<br />
caso, as narrativas disputam espaços no que diz respeito ao fato de<br />
terem sido apenas três irmãs <strong>negra</strong>s ricas <strong>da</strong> região as doadoras.<br />
Apenas uma pessoa citou a possibili<strong>da</strong>de de ter tido participação<br />
também de uma senhora branca.<br />
A prática <strong>da</strong> devoção a Nossa Senhora do Rosário dos Pretos,<br />
no século XX, com a chega<strong>da</strong> de brancos à região, passou a gerar<br />
a segregação, havendo assim uma festa dos brancos (em julho),<br />
numa segun<strong>da</strong> igreja construí<strong>da</strong> e chama<strong>da</strong> de Nossa Senhora do<br />
Rosário dos Brancos e outra dos negros (em outubro). Outubro é<br />
o mês <strong>da</strong>s grandes cheias do Rio Paranã, momento em que pode<br />
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