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Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade

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É nesse sentido que, tomando-se como exemplo a prática recorrente <strong>da</strong><br />

grilagem, observa-se que esta tem sido não apenas tolera<strong>da</strong>, mas também<br />

legaliza<strong>da</strong> com a oficialização dos documentos de posse <strong>da</strong> terra pelos cartórios<br />

locais, cujos donos, via-de-regra, comungam dos interesses dos grandes<br />

fazendeiros, quando não o são eles mesmos. O trabalho em condições precárias<br />

assemelha<strong>da</strong>s à <strong>escravidão</strong> também é algo corriqueiro em muitas áreas.<br />

Algumas comuni<strong>da</strong>des quilombolas estiveram ou ain<strong>da</strong> estão submeti<strong>da</strong>s a<br />

esse tipo de situação. Fatos como esses, fazem parte <strong>da</strong> História não conta<strong>da</strong>,<br />

<strong>da</strong> História omiti<strong>da</strong> pela imprensa, pelo Estado, pela memória branca.<br />

Assim, ao se privilegiar a memória <strong>negra</strong> como elemento central <strong>da</strong><br />

narrativa deste relatório está-se reconstituindo uma parcela importante <strong>da</strong><br />

História do Brasil. Importante porquanto omiti<strong>da</strong> para satisfazer interesses<br />

particulares, em detrimento <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des. São histórias de resistência às<br />

precárias condições de vi<strong>da</strong>, ao assalto <strong>da</strong> grilagem, à violência policial, ao<br />

silêncio <strong>da</strong> justiça e à complacência do Estado para com os poderosos.<br />

Se se pudesse resumir a saga dos Kilombos em poucas palavras, dir-se-<br />

-ia tratar-se de comuni<strong>da</strong>des de resistência marca<strong>da</strong>s por um profundo senso<br />

coletivi<strong>da</strong>de e pelo respeito à natureza. São comuni<strong>da</strong>des que, a despeito<br />

<strong>da</strong> violência sofri<strong>da</strong>, <strong>da</strong> espoliação e <strong>da</strong>s fraudes impetra<strong>da</strong>s por fazendeiros,<br />

posseiros, grileiros, com a anuência <strong>da</strong>s instâncias governamentais, lograram,<br />

no decorrer <strong>da</strong> história, resistir e <strong>sobre</strong>viver.<br />

As condições sob as quais se dá essa <strong>sobre</strong>vivência variam de acordo<br />

com a situação atual e a própria história de ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Algumas estão<br />

mais afetas à presença <strong>da</strong> especulação imobiliária, e têm na luta contra<br />

os interesses <strong>da</strong>s construtoras e incorporadoras seu maior desafio. Outras se<br />

deparam com a grilagem de suas terras por parte de grandes fazendeiros,<br />

constituindo focos de resistência à per<strong>da</strong> de suas posses. Em outras ain<strong>da</strong>,<br />

a questão maior se refere à falta de trabalho, o que obriga a que muitos dos<br />

quilombolas passem a buscar emprego junto aos próprios fazendeiros que<br />

invadiram e tomaram suas antigas terras, trocando a relação de conflito pela<br />

de dependência. Não se pode deixar de falar também <strong>da</strong>s migrações de quilombolas<br />

para os núcleos urbanos, na busca por melhores condições de vi<strong>da</strong>,<br />

sendo que muitas vezes, em face <strong>da</strong> falta de oportuni<strong>da</strong>des nas ci<strong>da</strong>des, retornam<br />

para o Kilombo após pouco tempo.<br />

De modo geral, o que se pode identificar como o problema comum a<br />

to<strong>da</strong>s elas é a questão <strong>da</strong> posse <strong>da</strong> terra. Os processos de regularização fundiária<br />

— iniciados logo após o reconhecimento oficial <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de remanescente<br />

de Kilombo pela Fun<strong>da</strong>ção Palmares — têm esbarrado em fortes<br />

obstáculos. Primeiramente, há a falta de recursos dos órgãos governamentais,<br />

federal ou estaduais, para realizar o processo de desapropriação com<br />

devido pagamento de indenização aos ocupantes não quilombolas. Mas

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