Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade
- No tags were found...
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
174<br />
É nesse sentido que, tomando-se como exemplo a prática recorrente <strong>da</strong><br />
grilagem, observa-se que esta tem sido não apenas tolera<strong>da</strong>, mas também<br />
legaliza<strong>da</strong> com a oficialização dos documentos de posse <strong>da</strong> terra pelos cartórios<br />
locais, cujos donos, via-de-regra, comungam dos interesses dos grandes<br />
fazendeiros, quando não o são eles mesmos. O trabalho em condições precárias<br />
assemelha<strong>da</strong>s à <strong>escravidão</strong> também é algo corriqueiro em muitas áreas.<br />
Algumas comuni<strong>da</strong>des quilombolas estiveram ou ain<strong>da</strong> estão submeti<strong>da</strong>s a<br />
esse tipo de situação. Fatos como esses, fazem parte <strong>da</strong> História não conta<strong>da</strong>,<br />
<strong>da</strong> História omiti<strong>da</strong> pela imprensa, pelo Estado, pela memória branca.<br />
Assim, ao se privilegiar a memória <strong>negra</strong> como elemento central <strong>da</strong><br />
narrativa deste relatório está-se reconstituindo uma parcela importante <strong>da</strong><br />
História do Brasil. Importante porquanto omiti<strong>da</strong> para satisfazer interesses<br />
particulares, em detrimento <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des. São histórias de resistência às<br />
precárias condições de vi<strong>da</strong>, ao assalto <strong>da</strong> grilagem, à violência policial, ao<br />
silêncio <strong>da</strong> justiça e à complacência do Estado para com os poderosos.<br />
Se se pudesse resumir a saga dos Kilombos em poucas palavras, dir-se-<br />
-ia tratar-se de comuni<strong>da</strong>des de resistência marca<strong>da</strong>s por um profundo senso<br />
coletivi<strong>da</strong>de e pelo respeito à natureza. São comuni<strong>da</strong>des que, a despeito<br />
<strong>da</strong> violência sofri<strong>da</strong>, <strong>da</strong> espoliação e <strong>da</strong>s fraudes impetra<strong>da</strong>s por fazendeiros,<br />
posseiros, grileiros, com a anuência <strong>da</strong>s instâncias governamentais, lograram,<br />
no decorrer <strong>da</strong> história, resistir e <strong>sobre</strong>viver.<br />
As condições sob as quais se dá essa <strong>sobre</strong>vivência variam de acordo<br />
com a situação atual e a própria história de ca<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. Algumas estão<br />
mais afetas à presença <strong>da</strong> especulação imobiliária, e têm na luta contra<br />
os interesses <strong>da</strong>s construtoras e incorporadoras seu maior desafio. Outras se<br />
deparam com a grilagem de suas terras por parte de grandes fazendeiros,<br />
constituindo focos de resistência à per<strong>da</strong> de suas posses. Em outras ain<strong>da</strong>,<br />
a questão maior se refere à falta de trabalho, o que obriga a que muitos dos<br />
quilombolas passem a buscar emprego junto aos próprios fazendeiros que<br />
invadiram e tomaram suas antigas terras, trocando a relação de conflito pela<br />
de dependência. Não se pode deixar de falar também <strong>da</strong>s migrações de quilombolas<br />
para os núcleos urbanos, na busca por melhores condições de vi<strong>da</strong>,<br />
sendo que muitas vezes, em face <strong>da</strong> falta de oportuni<strong>da</strong>des nas ci<strong>da</strong>des, retornam<br />
para o Kilombo após pouco tempo.<br />
De modo geral, o que se pode identificar como o problema comum a<br />
to<strong>da</strong>s elas é a questão <strong>da</strong> posse <strong>da</strong> terra. Os processos de regularização fundiária<br />
— iniciados logo após o reconhecimento oficial <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de remanescente<br />
de Kilombo pela Fun<strong>da</strong>ção Palmares — têm esbarrado em fortes<br />
obstáculos. Primeiramente, há a falta de recursos dos órgãos governamentais,<br />
federal ou estaduais, para realizar o processo de desapropriação com<br />
devido pagamento de indenização aos ocupantes não quilombolas. Mas