Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade
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novos territórios e de alianças políticas entre grupos alheios” (MUNANGA, 1995-<br />
96, p. 01). Explica o professor que Kilombo, enquanto noção de socie<strong>da</strong>de<br />
guerreira na referi<strong>da</strong> região <strong>da</strong> África, configurava-se como estrutura capaz<br />
de reunir indivíduos estranhos e desvinculados de suas linhagens, articulados<br />
em disciplina militar capaz de derrotar grandes reinos que impediam suas<br />
expansões. De acordo com ele:<br />
A palavra quilombo tem a conotação de uma associação de<br />
homens, aberta a todos sem distinção de filiação a qualquer<br />
linhagem, na qual os membros eram submetidos a dramáticos<br />
rituais de iniciação que os retiravam do âmbito protetor de suas<br />
linhagens e os integravam como co-guerreiros num regimento<br />
de super-homens invulneráveis as armas de inimigos. O<br />
quilombo amadurecido é uma instituição transcultural que<br />
recebeu contribuições de diversas culturas: lun<strong>da</strong>, imbangala,<br />
mbundu, kongo, wovimbundu, etc (MUNANGA, 1995-96, p. 3-4).<br />
Nas experiências diaspóricas do tráfico atlântico de pessoas, os<br />
povos africanos enfrentaram a empresa colonial dos brancos calca<strong>da</strong><br />
na racialização <strong>da</strong> <strong>escravidão</strong>, de modo que as resistências à ideia <strong>da</strong><br />
transformação do corpo africano em objeto servil podem ser rapi<strong>da</strong>mente<br />
localiza<strong>da</strong>s em múltiplas experiências de construção paralela de projetos<br />
de socie<strong>da</strong>de, como é o caso dos kilombos e terreiros de religiões de matriz<br />
africana 3 . Com registros que vão dos séculos XVI ao XX, e até mesmo ao<br />
Século XXI, as práticas de quilombamento desafiam a lógica <strong>da</strong> branquitude<br />
assenta<strong>da</strong> num suposto controle absoluto <strong>da</strong>s corporie<strong>da</strong>des <strong>negra</strong>s.<br />
Assim, os estudos dos kilombos no Brasil revelam uma diversi<strong>da</strong>de de casos<br />
que exige uma abor<strong>da</strong>gem interdisciplinar, cuja centrali<strong>da</strong>de se encontra<br />
nos protagonismos de mulheres <strong>negra</strong>s e homens negros que lançam<br />
para acadêmicas e acadêmicos, militantes de movimentos sociais negros e<br />
quilombolas, os desafios <strong>da</strong> contação de suas histórias frente à urgência de<br />
luta <strong>da</strong> conquista de ci<strong>da</strong><strong>da</strong>nia. Conforme Gomes:<br />
Hoje, espalhados por todo o Brasil, vemos surgir comuni<strong>da</strong>des<br />
<strong>negra</strong>s rurais (algumas já em áreas urbanas e suburbanas<br />
de grandes ci<strong>da</strong>des) e remanescentes de quilombos. Elas são<br />
a continui<strong>da</strong>de de um processo mais longo <strong>da</strong> história <strong>da</strong><br />
<strong>escravidão</strong> e <strong>da</strong>s primeiras déca<strong>da</strong>s <strong>da</strong> pós-emancipação,<br />
3 Pesquisadoras e pesquisadores dos chamados “estudos <strong>da</strong> diáspora”, bem como integrantes dos<br />
movimentos negros, têm chamado a atenção para o fato de que os terreiros, muito mais que templos<br />
religiosos, eram e são espaços de salvaguar<strong>da</strong> de memórias; reorganizações familiares; lócus de<br />
produção e preservação de conhecimentos e experiências de quilombamentos em espaços urbanos.<br />
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