Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade
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Outra participante <strong>da</strong> ro<strong>da</strong> de conversa afirma que seu pai<br />
falava a respeito <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> dura que a avó dele teve. Segundo ele sua<br />
avó tinha criado os filhos no regime <strong>da</strong> <strong>escravidão</strong>, nas condições<br />
de uma vi<strong>da</strong> muito difícil. Ela seria uma escraviza<strong>da</strong>. A mesma afirma<br />
que seu pai “trabalhava <strong>da</strong>s 03 <strong>da</strong> manhã às 05 <strong>da</strong> tarde para<br />
ganhar um litro de manteiga, ou um quarto de arroz”.<br />
Um participante também relembra a vi<strong>da</strong> dura que teve trabalhando<br />
nas fazen<strong>da</strong>s <strong>da</strong> região. Sua avó era índia e seu pai era<br />
pardo, cabelo enrolado e de grande estatura. Moravam em casa<br />
de sapé e chão batido.<br />
Outra participante menciona que um antigo conhecido afirma<br />
que na região próxima havia uma fazen<strong>da</strong> onde o proprietário<br />
jogava os escravizados dentro de um forno para queimar. Alguns<br />
desses queimados no forno poderiam ser fugitivos <strong>da</strong>s minas de<br />
ouro. Tal fazen<strong>da</strong> era conheci<strong>da</strong> por ser mal-assombra<strong>da</strong>, fruto <strong>da</strong><br />
perversi<strong>da</strong>de com que os negros eram tratados. Sinal <strong>da</strong> presença<br />
dos escravizados na região eram também os “vals”, valas cava<strong>da</strong>s<br />
para estabelecer os limites <strong>da</strong>s proprie<strong>da</strong>des.<br />
Talvez devido à vi<strong>da</strong> difícil que todos levavam havia (e ain<strong>da</strong><br />
existe ao menos resquício) a presença de benzedores, parteiras,<br />
manipuladores de ervas medicinais e outros produtos naturais.<br />
Uma fonte afirma que havia pessoas na comuni<strong>da</strong>de que tinham<br />
habili<strong>da</strong>des especiais como, por exemplo, encantar abelhas, “rezar<br />
nas abelhas”, tendo por isso grande facili<strong>da</strong>de em extrair o mel.<br />
Antônio Gambeta (negro, que gostava muito de an<strong>da</strong>r<br />
descalço), Dejaniro, João Lopes são citados como benzedores do<br />
Kilombo.<br />
Havia também “a reza para as almas”, reza de agonia, canta<strong>da</strong><br />
na Semana Santa. Havia o batuque, mas só dos “negros do Almei<strong>da</strong>”.<br />
Havia também uma oração na noite <strong>da</strong> Quinta para a Sexta<br />
Santa. Todos se reuniam na casa de uma matriarca, descaroçavam<br />
o algodão e fiavam. Quando era por volta <strong>da</strong> meia noite iam descansar.<br />
Mas na madruga<strong>da</strong>, quando os galos começavam a cantar,<br />
todos levantavam e iam fazer os cordões. Tiravam a linha e traçavam<br />
os cordões, os quais terminavam transformados em colares<br />
(compostos de nós), os quais eram usados nos pescoços para a<br />
proteção pessoal. Serviam inclusive para tirar lagartas <strong>da</strong>s roças.<br />
Na reza de retira<strong>da</strong> <strong>da</strong>s lagartas, a orante percorria to<strong>da</strong> a<br />
roça, circulando, mas deixando um corredor para as lagartas saírem.<br />
Alguns dias depois retornava para fechar o corredor para as<br />
lagartas não mais entrarem na roça.<br />
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