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Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade

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alicerces <strong>da</strong> branquitude marca<strong>da</strong> por uma pretensa ideia de soberania<br />

racial e civilizacional dos europeus. Assim, quando os povos negros se<br />

rebelavam, seja no campo ou na ci<strong>da</strong>de, nos terreiros 6 , kilombos ou casa<br />

grande, esses oprimidos reclamavam e reivindicavam para si a condição<br />

de humani<strong>da</strong>de, em desafio ao projeto vigilante do colonizador.<br />

Não é anedótico se falar <strong>da</strong> resistência <strong>da</strong>s organizações quilombolas<br />

como elemento desestabilizador <strong>da</strong> ordem colonial e, mais tarde,<br />

imperial e republicana. A forma de organização dessas comuni<strong>da</strong>des e<br />

sua autodeterminação, totalmente avessa ao controle Central, constituíam<br />

a negação e o afrontamento ao poder estabelecido. Ain<strong>da</strong> que<br />

muitas comuni<strong>da</strong>des tenham sido vítimas <strong>da</strong> destruição, outras tantas,<br />

maiores, mais bem protegi<strong>da</strong>s e isola<strong>da</strong>s, lograram <strong>sobre</strong>viver e se consoli<strong>da</strong>r<br />

e ain<strong>da</strong> hoje desafiam os projetos de soberania do poder que se<br />

quer hegemônico.<br />

Tome-se o exemplo do Kilombo do Ambrósio, cuja existência<br />

remonta a 1740, e que veio a se tornar, segundo o testemunho do<br />

historiador Waldemar de Almei<strong>da</strong> Barbosa, um modelo de organização,<br />

disciplina, ação comunitária e resistência:<br />

Os negros, cerca de mil, eram divididos em grupos ou setores,<br />

trabalhando todos de acordo com a sua especiali<strong>da</strong>de. Havia os<br />

excursionistas ou exploradores, que saiam em grupos de trinta,<br />

mais ou menos, assaltavam fazen<strong>da</strong>s ou caravanas de viajantes;<br />

havia os campeiros ou criadores que cui<strong>da</strong>vam do gado; havia<br />

os caçadores ou magarefes; os que tratavam dos engenhos,<br />

fabricação de açúcar, aguardente, azeite, farinha etc. Todos<br />

trabalhavam nas suas funções. ‘Tudo era de todos, não havia<br />

nem meu nem teu’. As colheitas eram conduzi<strong>da</strong>s aos paióis<br />

<strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de. A obediência era cega e o chefe, Ambrósio, é<br />

descrito como tipo de líder, pela sua inteligência organizadora,<br />

sua bravura, homem dotado de ‘to<strong>da</strong>s as quali<strong>da</strong>des de<br />

um general’. Havia uma hierarquia administrativa, espécie<br />

de Estado Maior, constituído de elementos <strong>da</strong> confiança<br />

de Ambrósio (...) Além <strong>da</strong>s ofensivas contra o “inimigo” que<br />

passava, causava <strong>ver<strong>da</strong>de</strong>iro pânico aos arraiais de: Olhos<br />

D’ÁguA (Ibiá), Boa Vista do Pé do Morro (Dores do In<strong>da</strong>iá), Minas<br />

<strong>da</strong> Marmela<strong>da</strong> (Abaeté), Quartel Geral do In<strong>da</strong>iá, Pratinha, São<br />

Domingos dos Araxás e outros (Silva, op.cit. p. 414).<br />

6 O conceito de “terreiro” que, de modo geral alude a um espaço religioso de matriz africana, neste<br />

trabalho, diferentemente, poderá estar se referindo aos aglomerados de negros em áreas urbanas que<br />

passaram a existir a partir do século XVIII, e que, muitas vezes, não tinham conotação religiosa.<br />

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