Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade
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9. A organização <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des<br />
e suas reivindicações<br />
Era o ano de 1850 e o tráfico negreiro passou a ser proibido no Brasil.<br />
Os movimentos de quilombagem já eram muito expressivos e a Coroa<br />
Portuguesa se via ca<strong>da</strong> vez mais pressiona<strong>da</strong> a oficiar a abolição. Com as<br />
mu<strong>da</strong>nças no cenário, os colonizadores começaram a proclamar medi<strong>da</strong>s que<br />
os mantivessem com o domínio <strong>da</strong>s terras as quais “desbravaram” e assim, foi<br />
instituí<strong>da</strong>, em 1850, a chama<strong>da</strong> Lei de Terras. Por meio de Cartas de Sesmarias<br />
a Lei regularizava as grandes áreas em nome dos seus dominadores.<br />
No entanto, as <strong>ver<strong>da</strong>de</strong>s transmiti<strong>da</strong>s por meio <strong>da</strong> orali<strong>da</strong>de em muitos<br />
dos Kilombos deixam claro o entendimento de que era aquele processo de<br />
regularização <strong>da</strong>s terras a oportuni<strong>da</strong>de estabelecimento de vínculos formais<br />
e inquestionáveis entre essas comuni<strong>da</strong>des e as áreas por elas ocupa<strong>da</strong>s.<br />
As lideranças de muitos kilombos se articularam naquele momento com o<br />
objetivo de executar estratégias de alcance <strong>da</strong> documentação, uma garantia<br />
de proteção para o futuro.<br />
As histórias perpetua<strong>da</strong>s nos territórios quilombolas trazem estratégias<br />
como a <strong>da</strong>s matriarcas do Kilombo Mesquita que, logo que her<strong>da</strong>ram, por<br />
volta <strong>da</strong> déca<strong>da</strong> de 1850, a área onde se firmou a comuni<strong>da</strong>de, tiveram o cui<strong>da</strong>do<br />
de documentá-la, fazendo o mesmo sempre que a mesma era dividi<strong>da</strong><br />
entre seus descendentes (Neres, 2016). Em outros casos, como o de Pilar de<br />
Goiás, os negros aquilombados se instalaram em uma região onde havia muito<br />
ouro e enquanto não eram descobertos trabalharam no garimpo guar<strong>da</strong>ndo<br />
quanti<strong>da</strong>des de ouro suficientes para a compra <strong>da</strong> própria liber<strong>da</strong>de e do<br />
território ocupado.<br />
Passados mais de um século e meio e a questão <strong>da</strong>s comuni<strong>da</strong>des quilombolas,<br />
nota<strong>da</strong>mente sua regularização, permaneceu sem resposta. A retoma<strong>da</strong><br />
dos debates em torno dos direitos quilombolas teve lugar, no Brasil, na<br />
déca<strong>da</strong> de 1970, no bojo <strong>da</strong> retoma<strong>da</strong> <strong>da</strong> questão racial com a reorganização<br />
do movimento Negro. Inspirados no conceito de “quilombismo” de Abdias<br />
do Nascimento, as comuni<strong>da</strong>des remanescentes de Kilombos definiram sua<br />
estratégia de luta política pela regularização de suas terras e pelos direitos<br />
fun<strong>da</strong>mentais tendo por base a resistência pacífica.<br />
A adoção dos preceitos do quilombismo fortaleceu as comuni<strong>da</strong>des<br />
remanescentes e as próprias populações <strong>negra</strong>s urbanas que as apoiavam.<br />
O ponto de parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> luta era sair <strong>da</strong> invisibili<strong>da</strong>de. As comuni<strong>da</strong>des<br />
foram assim se organizando, buscando espaços de voz, logrando algumas<br />
significativas vitórias, como o reconhecimento e proteção de seus direitos<br />
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