Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade
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recebia <strong>da</strong> família adotiva e por ser impedido de sair <strong>da</strong>quela casa<br />
em que a sua cor era motivo de chacota. “Meu pai era um escravinho<br />
lá”, recor<strong>da</strong> Lucy.<br />
Em um lado <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de ain<strong>da</strong> existe a ponte que segregava a<br />
população <strong>negra</strong> <strong>da</strong> população branca, a riqueza <strong>da</strong> pobreza. Às<br />
margens do rio Piracanjuba reside uma família branca de médicos,<br />
parentes do Guar<strong>da</strong>-mor fun<strong>da</strong>dor <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de Piracanjuba. Conforme<br />
as lideranças quilombolas, essa família é antiga e conhece<br />
muito <strong>da</strong> história <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, porém não relata publicamente <strong>sobre</strong><br />
o assunto.<br />
Heulália <strong>da</strong>s Graças Rosa Causa<strong>da</strong>, irmã <strong>da</strong> Lucy, descobriu<br />
em um cartório muitos documentos que comprovam a ven<strong>da</strong> e a<br />
compra de escraviados, porém o acesso não é fácil, há muita burocracia<br />
institucional para o manuseio de documentos históricos.<br />
Outra fonte de documentos antigos comprobatórios do período<br />
colonial nessa região se encontram na Paróquia Nossa Senhora <strong>da</strong><br />
Abadia, em Piracanjuba. Os que mais se destacam são os registros<br />
de batismos de negros alforriados.<br />
Já um acervo expressivo <strong>da</strong> memória do kilombo foi apresentado<br />
à Comissão. Junto à documentos, utensílios, livros antigos e<br />
fotografias importantes como as que trazem o registro <strong>da</strong>s últimas<br />
procissões <strong>da</strong> extinta “Reza <strong>da</strong>s Almas”, bem como <strong>da</strong> família de<br />
uma senhora idosa que foi manti<strong>da</strong> em situação análoga à <strong>escravidão</strong><br />
por um servidor público até mais ou menos o ano 2000.<br />
Hoje, a população não-quilombola de Piracanjuba manifesta<br />
um preconceito velado para com os quilombolas. Apesar de esforços<br />
<strong>da</strong> Associação <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong>de e do município em minimizar<br />
o racismo a partir de campanhas, em algumas apresentações <strong>da</strong><br />
Associação os integrantes foram vaiados.<br />
Em entrevista, o jovem Wander Alves, neto do sr. Anastácio<br />
e <strong>da</strong> sra. Maria <strong>da</strong>s Dores, relatou que num evento estu<strong>da</strong>ntil<br />
em 2015, em Piracanjuba, o grupo de maculelê, constituído por<br />
jovens negros e <strong>negra</strong>s, com o intuito de ressignificar e atualizar as<br />
manifestações culturais <strong>da</strong> região foi ridicularizado por centenas de<br />
pessoas num ginásio <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. Wander contou emocionado que<br />
no episódio, integrantes do grupo continuaram a apresentação<br />
chorando, uma vez que as pessoas riam e os chamavam de<br />
“macumbeiros”, como forma de tentar ofendê-los.<br />
Atitudes como essas, fazem com que o maculelê e outros<br />
aspectos culturais como a Procissão <strong>da</strong>s Almas e o treição estejam<br />
se perdendo. Este espetáculo público de racismo cultural flagra a<br />
cultura de ódio <strong>sobre</strong> os elementos de pertença dos povos pretos<br />
em nosso país, historicamente criminalizados e perseguidos pelos<br />
discursos que constituíram o processo colonizador e que ain<strong>da</strong><br />
não cessam de avançar e perseguir a essas populações.