Relatório Final - A verdade sobre a escravidão negra - Comissão da Verdade
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ficar perigoso acessar as margens dos rios. Segundo narrativas<br />
dos/as moradores/as a festa dos pretos teria sido transferi<strong>da</strong> para<br />
outubro exatamente pelo fato de ser um período considerado mais<br />
perigoso. Acentuaram também que a chama<strong>da</strong> festa dos brancos<br />
é a que recebe mais investimentos públicos e a que efetivamente<br />
ganhou uma marca e força turística.<br />
A territoriali<strong>da</strong>de <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de é intrigante exatamente porque<br />
Flores de Goiás é uma ci<strong>da</strong>de que teria sido emancipa<strong>da</strong> por um<br />
quilombola. O primeiro prefeito <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de, um homem negro<br />
quilombola, teria feito ele mesmo o desenho de um centro que se<br />
pretendia urbano num território ao lado do que hoje se chama de<br />
“Flores Velhas”, isto é, a parte velha <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de. O centro <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de,<br />
considerado a “parte nova <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de”, é, portanto, resultado <strong>da</strong><br />
divisão <strong>da</strong> praça e de lotes comerciais e residenciais projetado pelo<br />
referido quilombola, que teria vendido estes lotes, redesenhado a<br />
ci<strong>da</strong>de e, finalmente a emancipado.<br />
Há inúmeras narrativas de linhagens de pretos ricos que<br />
teriam chegado à região no século XIX, vindos <strong>da</strong> Bahia e de Minas,<br />
com “os lombos dos burros carregados de ouro”. O que explica a<br />
complexa formação do Kilombo que se fez ci<strong>da</strong>de. Assim, ricas<br />
famílias <strong>negra</strong>s teriam se instalado na região. Na conversa com<br />
antigos/as moradores surgiram narrativas de uma época ain<strong>da</strong><br />
marca<strong>da</strong> por riqueza dos negros na região, embora também<br />
houvesse os negros pobres. Parte expressiva <strong>da</strong>s famílias <strong>negra</strong>s<br />
que tinham as posses hoje estão pobres e rememoram um tempo<br />
<strong>da</strong> primeira metade do século XX como uma época de opulência.<br />
Uma <strong>da</strong>s entrevista<strong>da</strong>s, com mais de noventa anos, relatou que<br />
não entendia porque os pais tinham dinheiro, que poderia bancar<br />
a educação dos/as filhos/as, mas que não o fizeram. Percebe-se<br />
assim a perversi<strong>da</strong>de do racismo. Mesmo se tratando de famílias<br />
aparentemente abasta<strong>da</strong>s, estas ficaram paralisa<strong>da</strong>s, fenômeno<br />
provavelmente ligado ao racismo institucional e à lógica <strong>da</strong><br />
vigilância dos lugares demarcados <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de coloniza<strong>da</strong>, que<br />
indicava que a escola e os estudos não seriam para os negros.<br />
Na parte antiga de Flores, junto à praça <strong>da</strong> igreja histórica,<br />
local onde se encontra o prédio <strong>da</strong> prefeitura, a narrativa popular<br />
afirma que havia um pé de laranjeira onde eram presas as<br />
pessoas que praticavam algum tipo de crime, sendo elas em sua<br />
maioria, <strong>negra</strong>s.<br />
Quanto ao processo de oficialização do Kilombo trata-se<br />
de algo recente, uma vez que a certificação se deu apenas em<br />
2014, não dispondo ain<strong>da</strong> do <strong>Relatório</strong> Técnico de Identificação e<br />
Delimitação (RTID).<br />
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