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Autora de livros que trabalham a<br />
identidade afrodescendente e a diversidade,<br />
Mara Evaristo se dedica há<br />
mais de 20 anos a promover as relações<br />
étnico-raciais na educação infantil. “Embora<br />
não saibam o que é racismo, as<br />
crianças têm atitudes discriminatórias”,<br />
aponta a educadora e especialista no<br />
tema, em entrevista à Elas por Elas.<br />
Atualmente, Mara Evaristo é também<br />
coordenadora do Núcleo de Relações<br />
Étnico-Raciais da Secretaria Municipal<br />
de Educação de Belo Horizonte. Uma<br />
de suas principais tarefas é acompanhar<br />
a aplicação da lei 10.639, aprovada<br />
em 2003, que determina o ensino da<br />
história e cultura afro-brasileira e africana<br />
em todas as escolas do país, públicas e<br />
particulares. No cargo, sabe bem que<br />
um dos principais desafios para introduzir<br />
o assunto nas escolas é mudar a<br />
cultura que permeia o ambiente escolar.<br />
“A gente percebe que, no início do<br />
ano, nas reuniões escolares, fala-se de<br />
tudo, de alimentação, de fralda, mas<br />
sobre relações humanas não se fala.<br />
Quando se fala da lei, da diversidade,<br />
muita gente diz que tem de cuidar da<br />
autoestima da criança negra. O que<br />
vejo é que a criança negra nasce com a<br />
autoestima lá em cima. O que tem de<br />
cuidar é das outras pessoas, para não a<br />
prejudicarem. Porque quem causa danos<br />
são os outros. As crianças nascem bem<br />
com elas mesmas”, ressalta.<br />
Além das atividades na Secretaria,<br />
Mara Evaristo desenvolve oficinas voltadas<br />
para professores sobre a construção<br />
da identidade pelas crianças e<br />
defende que o trabalho com o tema<br />
tem de estar presente no cotidiano escolar.<br />
Não basta ser algo pontual, de<br />
curta duração. “É preciso garantir a<br />
diversidade ao longo do ano, o tempo<br />
todo, não é só um projeto para ser<br />
feito no mês da consciência negra.<br />
Isso é que vai fazer a diferença”, afirma.<br />
Confira a entrevista.<br />
Como começou seu trabalho com<br />
as relações étnico-raciais na educação<br />
infantil?<br />
Em 1995, ingressei na carreira do<br />
magistério e comecei a me preocupar,<br />
principalmente quando trabalhava com<br />
literatura, com os alunos negros que<br />
não se identificavam com os personagens,<br />
não tinham tanta empatia. Então<br />
comecei a trabalhar com eles recriando<br />
histórias. Naquela época tinha a tradição<br />
dos contos de fadas no processo de alfabetização,<br />
e comecei a provocá-los,<br />
perguntando como seria se aquelas histórias<br />
acontecessem no território onde<br />
moravam. Refazíamos imagem, texto,<br />
e eu percebia um interesse maior por<br />
parte deles a partir dessa intervenção.<br />
Quanto tive filhos, começou o processo<br />
da minha vivência da educação na condição<br />
de família. O mais velho foi para<br />
a educação infantil, com três anos, e<br />
na escola dele tinham poucos alunos<br />
negros. E lá que vivi pela primeira vez<br />
a percepção de como as crianças de<br />
dois, três, quatro anos vão percebendo<br />
“É preciso garantir<br />
a diversidade ao<br />
longo do ano,<br />
tempo todo,<br />
não é só um<br />
projeto para ser<br />
feito no mês da<br />
consciência negra”.<br />
as diferenças de tratamento. Meu filho,<br />
com outros [colegas], viveu algumas situações<br />
de discriminação. A escola foi<br />
muito bacana nesse processo, porque<br />
desenvolveu um projeto para trabalhar<br />
com alunos, principalmente brancos,<br />
que manifestavam essa discriminação,<br />
para que eles entendessem o que era a<br />
cor da pele. Pensamos em trabalhar<br />
com crianças de três anos a melanina.<br />
E aí nós pesquisamos e encontramos<br />
uma experiência americana que trabalhava<br />
leite com achocolatado. Mostramos<br />
para os meninos que a pigmentação da<br />
pele tem elementos com a mesma atuação<br />
que o achocolatado no leite. Quanto<br />
mais chocolate na mistura, mais escuro<br />
o leite, e da mesma forma a pele. Eles<br />
queriam entender se por dentro também<br />
era escuro, e achamos que uma opção<br />
interessante seria trabalhar com maçãs.<br />
As frutas foram descascadas, e a meninada<br />
identificou que por baixo da casca<br />
a cor era semelhante, e com essas vivências<br />
eles conseguiram perceber as<br />
diferenças. Vi como isso provocou um<br />
impacto positivo nas relações que meu<br />
filho e os colegas construíram dentro<br />
da escola. Embora não saibam o que é<br />
racismo, as crianças têm atitudes discriminatórias.<br />
Vi também o quanto as famílias<br />
e a escola têm responsabilidade<br />
neste momento na formação da criança,<br />
porque é ali que você vai trabalhar a<br />
questão da diferença, da semelhança,<br />
do respeito. A partir dessa experiência<br />
pessoal, comecei a montar uma oficina<br />
para professores sobre a construção da<br />
identidade pelas crianças. Quando comecei,<br />
as professoras negavam muito<br />
que houvesse discriminação. Diziam que<br />
na escola todo mundo era igual, que<br />
discriminação era coisa de adulto e as<br />
crianças nem percebiam isso. Era o<br />
discurso do senso comum.<br />
Revista Elas por Elas - Abril 2015