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MIOLO ELA POR ELAS Nº 8

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102<br />

Da democracia racial?<br />

É, da democracia racial. Quando<br />

ele não chegava nesse lugar, era um<br />

discurso que caminhava mais para a<br />

questão religiosa, que o trabalho com<br />

as crianças tinha de valorizar as diferenças,<br />

e que se elas não fossem bonitas<br />

aos olhos dos coleguinhas, não precisavam<br />

se preocupar, porque aos olhos<br />

de Deus elas eram. Então havia esses<br />

dois movimentos. A gente não imagina,<br />

quando estamos dispostos a enxergar,<br />

o que as crianças estão falando sobre<br />

as diferenças. Ouvi, na época do Natal,<br />

que anjo preto era só do mal, que<br />

preto era pivete, roubava, que todo ladrão<br />

é preto, maconheiro, então os<br />

personagens [dos livros] não poderiam<br />

ser pretos. Houve a situação de uma<br />

professora que levou para a sala dois<br />

bonecos, e a diferença entre eles era a<br />

cor. Uma criança queria o boneco negro,<br />

virou pra outra e disse: ‘me dá<br />

esse boneco aí?’. A coleguinha não<br />

sabia qual e perguntou. Ela respondeu:<br />

‘me dá esse aí com rostinho de faxineiro’.<br />

Não quer dizer que todas as<br />

crianças falavam dessa forma, mas foi<br />

assustador perceber que em todas as<br />

instituições de ensino houve alguma<br />

informação que mostrava o quanto era<br />

natural para três, quatro anos, as crianças<br />

manifestarem formas de tratamento<br />

tão discriminatórias. Outro dado que<br />

chamou atenção da gente foi a rejeição<br />

à cor preta, de como ela está associada<br />

no imaginário da criança a algo ruim.<br />

“Combater o racismo<br />

não tem de acontecer<br />

no lugar onde existe<br />

racismo. É você<br />

trabalhar o tempo<br />

todo com valorização<br />

e respeito à<br />

diversidade”.<br />

MARK FLOREST<br />

Qual a importância de se trabalhar<br />

com esse tema com as crianças<br />

no ambiente escolar?<br />

Eu vi o que um bom trabalho sobre<br />

relações étnico-raciais faz com várias<br />

crianças. Quando você chega a uma<br />

escola onde essa criança se identifica<br />

no material, nas histórias que são contadas,<br />

nos murais, nos filmes, no professor,<br />

isso faz uma extrema diferença.<br />

Belo Horizonte tem escola hoje [da<br />

rede privada] que não contrata professor<br />

negro. Isso é seríssimo. Essa informação<br />

é fruto de um processo de formação e<br />

diálogo com os conselheiros municipais<br />

de educação. Não existe na ficha da escola<br />

que não pode contratar, mas essa<br />

percepção de que a escola não contrata<br />

é concreta, e isso é muito sério.<br />

Uma professora já nos relatou<br />

que tentou aplicar a lei 10.639 na<br />

escola em que trabalhava, e a direção<br />

disse que não havia necessidade, já<br />

que lá não existia criança negra.<br />

O que é uma visão superequivocada.<br />

Porque a LDB [Lei de Diretrizes e Base<br />

da Educação], quando traz a obrigatoriedade,<br />

não diz que é somente em escolas<br />

onde há alunos negros. Se fosse<br />

assim, a gente teria de pensar que tudo<br />

relacionado à Europa é somente em<br />

escolas que têm alunos brancos. As<br />

pessoas precisam ampliar o conhecimento<br />

sobre a legislação. Combater o<br />

racismo não tem de acontecer no lugar<br />

onde existe racismo. É você trabalhar o<br />

tempo todo com a valorização e o respeito<br />

à diversidade. Meus filhos podem<br />

não conviver com muçulmanos, mas<br />

eles precisam aprender a respeitar a<br />

religião, a fé muçulmana, para que<br />

quando encontrem com um muçulmano,<br />

o tratem de forma respeitosa. Isso faz<br />

parte das relações étnico-raciais. Outro<br />

Revista Elas por Elas - Abril 2015

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