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Da democracia racial?<br />
É, da democracia racial. Quando<br />
ele não chegava nesse lugar, era um<br />
discurso que caminhava mais para a<br />
questão religiosa, que o trabalho com<br />
as crianças tinha de valorizar as diferenças,<br />
e que se elas não fossem bonitas<br />
aos olhos dos coleguinhas, não precisavam<br />
se preocupar, porque aos olhos<br />
de Deus elas eram. Então havia esses<br />
dois movimentos. A gente não imagina,<br />
quando estamos dispostos a enxergar,<br />
o que as crianças estão falando sobre<br />
as diferenças. Ouvi, na época do Natal,<br />
que anjo preto era só do mal, que<br />
preto era pivete, roubava, que todo ladrão<br />
é preto, maconheiro, então os<br />
personagens [dos livros] não poderiam<br />
ser pretos. Houve a situação de uma<br />
professora que levou para a sala dois<br />
bonecos, e a diferença entre eles era a<br />
cor. Uma criança queria o boneco negro,<br />
virou pra outra e disse: ‘me dá<br />
esse boneco aí?’. A coleguinha não<br />
sabia qual e perguntou. Ela respondeu:<br />
‘me dá esse aí com rostinho de faxineiro’.<br />
Não quer dizer que todas as<br />
crianças falavam dessa forma, mas foi<br />
assustador perceber que em todas as<br />
instituições de ensino houve alguma<br />
informação que mostrava o quanto era<br />
natural para três, quatro anos, as crianças<br />
manifestarem formas de tratamento<br />
tão discriminatórias. Outro dado que<br />
chamou atenção da gente foi a rejeição<br />
à cor preta, de como ela está associada<br />
no imaginário da criança a algo ruim.<br />
“Combater o racismo<br />
não tem de acontecer<br />
no lugar onde existe<br />
racismo. É você<br />
trabalhar o tempo<br />
todo com valorização<br />
e respeito à<br />
diversidade”.<br />
MARK FLOREST<br />
Qual a importância de se trabalhar<br />
com esse tema com as crianças<br />
no ambiente escolar?<br />
Eu vi o que um bom trabalho sobre<br />
relações étnico-raciais faz com várias<br />
crianças. Quando você chega a uma<br />
escola onde essa criança se identifica<br />
no material, nas histórias que são contadas,<br />
nos murais, nos filmes, no professor,<br />
isso faz uma extrema diferença.<br />
Belo Horizonte tem escola hoje [da<br />
rede privada] que não contrata professor<br />
negro. Isso é seríssimo. Essa informação<br />
é fruto de um processo de formação e<br />
diálogo com os conselheiros municipais<br />
de educação. Não existe na ficha da escola<br />
que não pode contratar, mas essa<br />
percepção de que a escola não contrata<br />
é concreta, e isso é muito sério.<br />
Uma professora já nos relatou<br />
que tentou aplicar a lei 10.639 na<br />
escola em que trabalhava, e a direção<br />
disse que não havia necessidade, já<br />
que lá não existia criança negra.<br />
O que é uma visão superequivocada.<br />
Porque a LDB [Lei de Diretrizes e Base<br />
da Educação], quando traz a obrigatoriedade,<br />
não diz que é somente em escolas<br />
onde há alunos negros. Se fosse<br />
assim, a gente teria de pensar que tudo<br />
relacionado à Europa é somente em<br />
escolas que têm alunos brancos. As<br />
pessoas precisam ampliar o conhecimento<br />
sobre a legislação. Combater o<br />
racismo não tem de acontecer no lugar<br />
onde existe racismo. É você trabalhar o<br />
tempo todo com a valorização e o respeito<br />
à diversidade. Meus filhos podem<br />
não conviver com muçulmanos, mas<br />
eles precisam aprender a respeitar a<br />
religião, a fé muçulmana, para que<br />
quando encontrem com um muçulmano,<br />
o tratem de forma respeitosa. Isso faz<br />
parte das relações étnico-raciais. Outro<br />
Revista Elas por Elas - Abril 2015