127 no sentido de tirar toda intimidade que a mulher poderia ter com o próprio corpo. Ao longo do nosso amadurecimento sexual, na verdade a gente acaba perdendo a intimidade com o próprio corpo. Eu vejo isso se refletir na vida delas quando há mulheres com trinta anos dizendo que odeiam se masturbar, que gostam mesmo é de sexo, mas que nunca tiveram um orgasmo, só se relacionam com homens e têm tendência a entrar em relacionamentos abusivos. Acho que tudo isso é realmente um fruto objetivo de toda essa falta de diálogo que existe, desse cerceamento do conhecimento e das possibilidades que a mulher pode ter para desenvolver a sexualidade dela. Você também já disse que sexo é política. Em que medida sexo é política? Quis dizer que a maneira como nós praticamos o sexo se reflete politicamente na maneira como agimos socialmente. Acho que existe um protagonismo na mulher quando ela decide explorar a sua própria sexualidade. Hoje até penso que masturbação é um ato de autonomia, um ato político de emancipação importante para a mulher. A partir daí a gente afirma muitas coisas. Uma mulher que começa a se masturbar na intimidade de casa, não tenho dúvida de que a maneira como ela vai se comportar no mundo vai ser diferente, a partir dessa experiência que tem como ela mesma. Inclusive acho que pode ser político sim quando mulheres se relacionam sexualmente com mulheres. Simbolicamente e politicamente é muito forte a mensagem. E entendo que existem mulheres que preferem se relacionar apenas com mulheres por questões políticas, motivadas pelos contextos sociais que às vezes são muito opressores e violentos. Então quando falo que sexo é política, quero dizer que se a mulher se propõe a ser protagonista da própria sexualidade e não se submeter aos preconceitos e a relações abusivas, a partir da relação sexual que ela tem com ela mesma e com as pessoas em volta dela, age politicamente de uma forma diferente no mundo. No entanto esse não é o quadro atual. É possível alterá-lo? Bom, não sei, na verdade. Acho que o movimento feminista está fazendo avanços maravilhosos no Brasil e no mundo em termos de sexualidade, de direitos de reprodução, mas todo esse avanço gera uma reação muito forte, muito violenta. Acho que essa mudança está acontecendo também especialmente entre mulheres jovens, de classe média, mas sim, tenho esperanças. A gente precisa é de mulheres mais velhas, inseridas em outros contextos, que estejam interessadas em conversar a respeito dessas questões, numa perspectiva feminista com suas amigas, com as mulheres mais próximas delas. Aí é possível o feminismo começar a brotar e ter um efeito maior nos contextos sociais. “Ao longo do nosso amadurecimento sexual, acabamos perdendo a intimidade com o próprio corpo”. Sobre o trabalho das mulheres quadrinistas, você também acredita que elas têm hoje mais visibilidade e espaços? A gente está conquistando, construindo espaços. Acho que tem pouco a ver com nossos colegas quadrinistas homens reconhecerem o valor dos nossos quadrinhos ou do nosso movimento. Inclusive a gente entra muito em conflito. Apesar de estar conseguindo me aproximar desses lugares superdominados por homens, acredito cada vez mais que só vai dar certo mesmo se for uma coisa entre as mulheres. Essa é a grande resposta. Fazendo feira, colocando a mão na massa, fazendo quadrinho, recorrendo a financiamento coletivo, criando grupos para conversar sobre quadrinhos, dar oficinas uma para a outra, acho que é assim. Pelo que tenho observado, desde que comecei a fazer quadrinhos, tem sido assim. Não foi porque os caras acharam massa, porque até hoje eles não acham. Nem sei se é o caso de esperarmos que a indústria e os meios de comunicação mudem a cabeça. Estou mais apostando em criar novos espaços com essas mulheres que querem fazer e não depender dessa galera para aparecer e vender nossas coisas. E o que gosto mais em toda a cena de quadrinhos entre as mulheres é exatamente essa visão feminista, que ainda bem que a grande maioria de nós compartilha, ainda que haja algumas desavenças em alguns detalhes. Acho que não adianta mais mulheres fazendo quadrinhos se essas mulheres não são feministas. Para fazer mudanças em direção à promoção da igualdade e respeito pela mulher, tem de ser feminista, se não a coisa não anda.ø Revista Elas por Elas - Abril 2015
128 Miriam Alves, do coletivo Bloco das Pretas: “a arte educa e sensibiliza a sociedade”. foto DENILSON CAJAZEIRO Revista Elas por Elas - Abril 2015