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MIOLO ELA POR ELAS Nº 8

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no sentido de tirar toda intimidade que<br />

a mulher poderia ter com o próprio<br />

corpo. Ao longo do nosso amadurecimento<br />

sexual, na verdade a gente<br />

acaba perdendo a intimidade com o<br />

próprio corpo. Eu vejo isso se refletir<br />

na vida delas quando há mulheres com<br />

trinta anos dizendo que odeiam se<br />

masturbar, que gostam mesmo é de<br />

sexo, mas que nunca tiveram um orgasmo,<br />

só se relacionam com homens<br />

e têm tendência a entrar em relacionamentos<br />

abusivos. Acho que tudo isso é<br />

realmente um fruto objetivo de toda<br />

essa falta de diálogo que existe, desse<br />

cerceamento do conhecimento e das<br />

possibilidades que a mulher pode ter<br />

para desenvolver a sexualidade dela.<br />

Você também já disse que sexo<br />

é política. Em que medida sexo é<br />

política?<br />

Quis dizer que a maneira como nós<br />

praticamos o sexo se reflete politicamente<br />

na maneira como agimos socialmente.<br />

Acho que existe um protagonismo<br />

na mulher quando ela decide<br />

explorar a sua própria sexualidade.<br />

Hoje até penso que masturbação é um<br />

ato de autonomia, um ato político de<br />

emancipação importante para a mulher.<br />

A partir daí a gente afirma muitas<br />

coisas. Uma mulher que começa a se<br />

masturbar na intimidade de casa, não<br />

tenho dúvida de que a maneira como<br />

ela vai se comportar no mundo vai ser<br />

diferente, a partir dessa experiência<br />

que tem como ela mesma. Inclusive<br />

acho que pode ser político sim quando<br />

mulheres se relacionam sexualmente<br />

com mulheres. Simbolicamente e politicamente<br />

é muito forte a mensagem.<br />

E entendo que existem mulheres que<br />

preferem se relacionar apenas com<br />

mulheres por questões políticas, motivadas<br />

pelos contextos sociais que às<br />

vezes são muito opressores e violentos.<br />

Então quando falo que sexo é política,<br />

quero dizer que se a mulher se propõe<br />

a ser protagonista da própria sexualidade<br />

e não se submeter aos preconceitos<br />

e a relações abusivas, a partir<br />

da relação sexual que ela tem com ela<br />

mesma e com as pessoas em volta<br />

dela, age politicamente de uma forma<br />

diferente no mundo.<br />

No entanto esse não é o quadro<br />

atual. É possível alterá-lo?<br />

Bom, não sei, na verdade. Acho<br />

que o movimento feminista está fazendo<br />

avanços maravilhosos no Brasil e no<br />

mundo em termos de sexualidade, de<br />

direitos de reprodução, mas todo esse<br />

avanço gera uma reação muito forte,<br />

muito violenta. Acho que essa mudança<br />

está acontecendo também especialmente<br />

entre mulheres jovens, de classe<br />

média, mas sim, tenho esperanças. A<br />

gente precisa é de mulheres mais<br />

velhas, inseridas em outros contextos,<br />

que estejam interessadas em conversar<br />

a respeito dessas questões, numa perspectiva<br />

feminista com suas amigas,<br />

com as mulheres mais próximas delas.<br />

Aí é possível o feminismo começar a<br />

brotar e ter um efeito maior nos contextos<br />

sociais.<br />

“Ao longo do nosso<br />

amadurecimento<br />

sexual, acabamos<br />

perdendo a<br />

intimidade com o<br />

próprio corpo”.<br />

Sobre o trabalho das mulheres<br />

quadrinistas, você também acredita<br />

que elas têm hoje mais visibilidade<br />

e espaços?<br />

A gente está conquistando, construindo<br />

espaços. Acho que tem pouco<br />

a ver com nossos colegas quadrinistas<br />

homens reconhecerem o valor dos<br />

nossos quadrinhos ou do nosso movimento.<br />

Inclusive a gente entra muito<br />

em conflito. Apesar de estar conseguindo<br />

me aproximar desses lugares<br />

superdominados por homens, acredito<br />

cada vez mais que só vai dar certo<br />

mesmo se for uma coisa entre as mulheres.<br />

Essa é a grande resposta. Fazendo<br />

feira, colocando a mão na<br />

massa, fazendo quadrinho, recorrendo<br />

a financiamento coletivo, criando grupos<br />

para conversar sobre quadrinhos,<br />

dar oficinas uma para a outra, acho<br />

que é assim. Pelo que tenho observado,<br />

desde que comecei a fazer quadrinhos,<br />

tem sido assim. Não foi<br />

porque os caras acharam massa, porque<br />

até hoje eles não acham. Nem sei<br />

se é o caso de esperarmos que a indústria<br />

e os meios de comunicação<br />

mudem a cabeça. Estou mais apostando<br />

em criar novos espaços com<br />

essas mulheres que querem fazer e não<br />

depender dessa galera para aparecer e<br />

vender nossas coisas. E o que gosto<br />

mais em toda a cena de quadrinhos<br />

entre as mulheres é exatamente essa<br />

visão feminista, que ainda bem que a<br />

grande maioria de nós compartilha,<br />

ainda que haja algumas desavenças em<br />

alguns detalhes. Acho que não adianta<br />

mais mulheres fazendo quadrinhos se<br />

essas mulheres não são feministas.<br />

Para fazer mudanças em direção à promoção<br />

da igualdade e respeito pela<br />

mulher, tem de ser feminista, se não a<br />

coisa não anda.ø<br />

Revista Elas por Elas - Abril 2015

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