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no sentido de tirar toda intimidade que<br />
a mulher poderia ter com o próprio<br />
corpo. Ao longo do nosso amadurecimento<br />
sexual, na verdade a gente<br />
acaba perdendo a intimidade com o<br />
próprio corpo. Eu vejo isso se refletir<br />
na vida delas quando há mulheres com<br />
trinta anos dizendo que odeiam se<br />
masturbar, que gostam mesmo é de<br />
sexo, mas que nunca tiveram um orgasmo,<br />
só se relacionam com homens<br />
e têm tendência a entrar em relacionamentos<br />
abusivos. Acho que tudo isso é<br />
realmente um fruto objetivo de toda<br />
essa falta de diálogo que existe, desse<br />
cerceamento do conhecimento e das<br />
possibilidades que a mulher pode ter<br />
para desenvolver a sexualidade dela.<br />
Você também já disse que sexo<br />
é política. Em que medida sexo é<br />
política?<br />
Quis dizer que a maneira como nós<br />
praticamos o sexo se reflete politicamente<br />
na maneira como agimos socialmente.<br />
Acho que existe um protagonismo<br />
na mulher quando ela decide<br />
explorar a sua própria sexualidade.<br />
Hoje até penso que masturbação é um<br />
ato de autonomia, um ato político de<br />
emancipação importante para a mulher.<br />
A partir daí a gente afirma muitas<br />
coisas. Uma mulher que começa a se<br />
masturbar na intimidade de casa, não<br />
tenho dúvida de que a maneira como<br />
ela vai se comportar no mundo vai ser<br />
diferente, a partir dessa experiência<br />
que tem como ela mesma. Inclusive<br />
acho que pode ser político sim quando<br />
mulheres se relacionam sexualmente<br />
com mulheres. Simbolicamente e politicamente<br />
é muito forte a mensagem.<br />
E entendo que existem mulheres que<br />
preferem se relacionar apenas com<br />
mulheres por questões políticas, motivadas<br />
pelos contextos sociais que às<br />
vezes são muito opressores e violentos.<br />
Então quando falo que sexo é política,<br />
quero dizer que se a mulher se propõe<br />
a ser protagonista da própria sexualidade<br />
e não se submeter aos preconceitos<br />
e a relações abusivas, a partir<br />
da relação sexual que ela tem com ela<br />
mesma e com as pessoas em volta<br />
dela, age politicamente de uma forma<br />
diferente no mundo.<br />
No entanto esse não é o quadro<br />
atual. É possível alterá-lo?<br />
Bom, não sei, na verdade. Acho<br />
que o movimento feminista está fazendo<br />
avanços maravilhosos no Brasil e no<br />
mundo em termos de sexualidade, de<br />
direitos de reprodução, mas todo esse<br />
avanço gera uma reação muito forte,<br />
muito violenta. Acho que essa mudança<br />
está acontecendo também especialmente<br />
entre mulheres jovens, de classe<br />
média, mas sim, tenho esperanças. A<br />
gente precisa é de mulheres mais<br />
velhas, inseridas em outros contextos,<br />
que estejam interessadas em conversar<br />
a respeito dessas questões, numa perspectiva<br />
feminista com suas amigas,<br />
com as mulheres mais próximas delas.<br />
Aí é possível o feminismo começar a<br />
brotar e ter um efeito maior nos contextos<br />
sociais.<br />
“Ao longo do nosso<br />
amadurecimento<br />
sexual, acabamos<br />
perdendo a<br />
intimidade com o<br />
próprio corpo”.<br />
Sobre o trabalho das mulheres<br />
quadrinistas, você também acredita<br />
que elas têm hoje mais visibilidade<br />
e espaços?<br />
A gente está conquistando, construindo<br />
espaços. Acho que tem pouco<br />
a ver com nossos colegas quadrinistas<br />
homens reconhecerem o valor dos<br />
nossos quadrinhos ou do nosso movimento.<br />
Inclusive a gente entra muito<br />
em conflito. Apesar de estar conseguindo<br />
me aproximar desses lugares<br />
superdominados por homens, acredito<br />
cada vez mais que só vai dar certo<br />
mesmo se for uma coisa entre as mulheres.<br />
Essa é a grande resposta. Fazendo<br />
feira, colocando a mão na<br />
massa, fazendo quadrinho, recorrendo<br />
a financiamento coletivo, criando grupos<br />
para conversar sobre quadrinhos,<br />
dar oficinas uma para a outra, acho<br />
que é assim. Pelo que tenho observado,<br />
desde que comecei a fazer quadrinhos,<br />
tem sido assim. Não foi<br />
porque os caras acharam massa, porque<br />
até hoje eles não acham. Nem sei<br />
se é o caso de esperarmos que a indústria<br />
e os meios de comunicação<br />
mudem a cabeça. Estou mais apostando<br />
em criar novos espaços com<br />
essas mulheres que querem fazer e não<br />
depender dessa galera para aparecer e<br />
vender nossas coisas. E o que gosto<br />
mais em toda a cena de quadrinhos<br />
entre as mulheres é exatamente essa<br />
visão feminista, que ainda bem que a<br />
grande maioria de nós compartilha,<br />
ainda que haja algumas desavenças em<br />
alguns detalhes. Acho que não adianta<br />
mais mulheres fazendo quadrinhos se<br />
essas mulheres não são feministas.<br />
Para fazer mudanças em direção à promoção<br />
da igualdade e respeito pela<br />
mulher, tem de ser feminista, se não a<br />
coisa não anda.ø<br />
Revista Elas por Elas - Abril 2015