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MIOLO ELA POR ELAS Nº 8

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119<br />

ENTREVISTA<br />

ALINE ARRUDA<br />

Pesquisadora<br />

acredita que<br />

Carolina tinha um<br />

projeto literário<br />

A professora do Instituto Federal<br />

Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS)<br />

Aline Arruda, doutoranda em Literatura<br />

Brasileira na Faculdade de Letras da<br />

Universidade Federal de Minas Gerais<br />

(UFMG), desenvolve estudos sobre Carolina<br />

Maria de Jesus e prepara uma<br />

edição comentada de um romance inédito<br />

dela. Ela acredita que, pelo fato<br />

de ter escrito obras de vários gêneros,<br />

a escritora tinha um projeto literário, é<br />

o que a sua tese vai tentar provar.<br />

Como você despertou interesse<br />

em estudar os escritos de Carolina?<br />

Eu já havia lido o livro dela mais famoso,<br />

Quarto de Despejo, quando<br />

ainda era adolescente e fiquei muito<br />

impressionada com ele, com a história<br />

de Carolina, com os relatos descritos<br />

POLLYANA BITENCOURT<br />

em seu diário. Depois, no mestrado,<br />

comecei a me interessar por escritoras<br />

negras, estudei uma contemporânea<br />

de Carolina, Conceição Evaristo, também<br />

mineira, que sempre me disse ser<br />

influenciada pela escritora de Sacramento.<br />

Dessa forma retomei meus estudos<br />

sobre ela no final do mestrado e<br />

ao descobrir seus inéditos, na Biblioteca<br />

Nacional, decidi fazer meu projeto de<br />

doutorado sobre ela.<br />

Porque ela ainda é pouco estudada<br />

na academia? Qual crítica predomina<br />

sobre sua obra?<br />

Apesar da abertura acadêmica sobre<br />

as obras de autores ditos “marginais”<br />

ou pertencentes à chamada “minoria”,<br />

ainda há muito preconceito sobre eles.<br />

No caso de Carolina, ela estudou menos<br />

de dois anos na escola, morava em<br />

uma favela, era mulher negra, ou seja,<br />

reúne várias condições “marginais” e<br />

por isso muitos não acreditam que o<br />

que ela escreveu é literatura. Valorizam<br />

apenas o que chamamos na academia<br />

de cânone literário, autores clássicos.<br />

E desde que Quarto de Despejo foi<br />

publicado, em 1960, há quem duvide<br />

que foi Carolina de Jesus quem o escreveu,<br />

muitos disseram na época e<br />

mesmo depois, mais recentemente,<br />

que o jornalista Audálio Dantas, considerado<br />

o “descobridor” dela, havia escrito<br />

o diário, o que é uma calúnia,<br />

uma bobagem, pois os manuscritos estão<br />

aí para quem quiser comprovar. É<br />

realmente inesperado que alguém como<br />

Carolina faça literatura e publique livros.<br />

Como o fato de ela ser mulher,<br />

negra e favelada reflete em sua obra?<br />

No caso dos diários e da autobiografia,<br />

esses aspectos estão entranhados,<br />

a experiência e a vivência da autora<br />

como mulher, negra e favelada é revelada<br />

todo o tempo em seus textos: o<br />

racismo que sofria e via outros sofrerem;<br />

a condição de mulher e pobre, mãe<br />

solteira de três filhos, que sempre era<br />

relegada pela sociedade machista e elitista<br />

da época e de ainda hoje. Tudo<br />

isso foi relatado em seus diários e<br />

textos autobiográficos.<br />

Porque o primeiro livro Quarto<br />

de Despejo vendeu mais de um milhão<br />

de cópias em todo o mundo, enquanto<br />

o segundo chegou apenas a 10 mil<br />

exemplares? Houve um sensacionalismo<br />

em função da sua origem?<br />

Há muitas respostas possíveis para<br />

esse esquecimento da autora. Acredito<br />

que houve sim um sensacionalismo em<br />

torno da “favelada que escreveu um<br />

diário”, mas também uma curiosidade<br />

em torno de um livro que conta o dia a<br />

dia da favela “de dentro”, de um ponto<br />

de vista interno. Houve uma reação<br />

impertinente da imprensa da época<br />

também e talvez a inocência e a inexperiência<br />

de Carolina diante do sucesso<br />

súbito, além de sua postura, pessoal e<br />

na escrita, crítica e franca, que certamente<br />

não agradou a muitos, especialmente<br />

no contexto político da época.<br />

Qual o fato da vida dela ou de<br />

sua obra chama mais sua atenção?<br />

Muitos fatos me chamam a atenção,<br />

mas principalmente o de que uma mulher<br />

com origem humilde e uma vida<br />

tão difícil tenha escrito uma obra extensa<br />

que abrange vários gêneros como<br />

diário, teatro, romance, conto, poesia,<br />

provérbios, autobiografia... é admirável<br />

a dedicação e a consciência que ela tinha.<br />

Além de escritora, era dançarina<br />

e compositora, seus sambas também<br />

refletem sua vida.<br />

Revista Elas por Elas - Abril 2015

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