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ENTREVISTA<br />
ALINE ARRUDA<br />
Pesquisadora<br />
acredita que<br />
Carolina tinha um<br />
projeto literário<br />
A professora do Instituto Federal<br />
Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS)<br />
Aline Arruda, doutoranda em Literatura<br />
Brasileira na Faculdade de Letras da<br />
Universidade Federal de Minas Gerais<br />
(UFMG), desenvolve estudos sobre Carolina<br />
Maria de Jesus e prepara uma<br />
edição comentada de um romance inédito<br />
dela. Ela acredita que, pelo fato<br />
de ter escrito obras de vários gêneros,<br />
a escritora tinha um projeto literário, é<br />
o que a sua tese vai tentar provar.<br />
Como você despertou interesse<br />
em estudar os escritos de Carolina?<br />
Eu já havia lido o livro dela mais famoso,<br />
Quarto de Despejo, quando<br />
ainda era adolescente e fiquei muito<br />
impressionada com ele, com a história<br />
de Carolina, com os relatos descritos<br />
POLLYANA BITENCOURT<br />
em seu diário. Depois, no mestrado,<br />
comecei a me interessar por escritoras<br />
negras, estudei uma contemporânea<br />
de Carolina, Conceição Evaristo, também<br />
mineira, que sempre me disse ser<br />
influenciada pela escritora de Sacramento.<br />
Dessa forma retomei meus estudos<br />
sobre ela no final do mestrado e<br />
ao descobrir seus inéditos, na Biblioteca<br />
Nacional, decidi fazer meu projeto de<br />
doutorado sobre ela.<br />
Porque ela ainda é pouco estudada<br />
na academia? Qual crítica predomina<br />
sobre sua obra?<br />
Apesar da abertura acadêmica sobre<br />
as obras de autores ditos “marginais”<br />
ou pertencentes à chamada “minoria”,<br />
ainda há muito preconceito sobre eles.<br />
No caso de Carolina, ela estudou menos<br />
de dois anos na escola, morava em<br />
uma favela, era mulher negra, ou seja,<br />
reúne várias condições “marginais” e<br />
por isso muitos não acreditam que o<br />
que ela escreveu é literatura. Valorizam<br />
apenas o que chamamos na academia<br />
de cânone literário, autores clássicos.<br />
E desde que Quarto de Despejo foi<br />
publicado, em 1960, há quem duvide<br />
que foi Carolina de Jesus quem o escreveu,<br />
muitos disseram na época e<br />
mesmo depois, mais recentemente,<br />
que o jornalista Audálio Dantas, considerado<br />
o “descobridor” dela, havia escrito<br />
o diário, o que é uma calúnia,<br />
uma bobagem, pois os manuscritos estão<br />
aí para quem quiser comprovar. É<br />
realmente inesperado que alguém como<br />
Carolina faça literatura e publique livros.<br />
Como o fato de ela ser mulher,<br />
negra e favelada reflete em sua obra?<br />
No caso dos diários e da autobiografia,<br />
esses aspectos estão entranhados,<br />
a experiência e a vivência da autora<br />
como mulher, negra e favelada é revelada<br />
todo o tempo em seus textos: o<br />
racismo que sofria e via outros sofrerem;<br />
a condição de mulher e pobre, mãe<br />
solteira de três filhos, que sempre era<br />
relegada pela sociedade machista e elitista<br />
da época e de ainda hoje. Tudo<br />
isso foi relatado em seus diários e<br />
textos autobiográficos.<br />
Porque o primeiro livro Quarto<br />
de Despejo vendeu mais de um milhão<br />
de cópias em todo o mundo, enquanto<br />
o segundo chegou apenas a 10 mil<br />
exemplares? Houve um sensacionalismo<br />
em função da sua origem?<br />
Há muitas respostas possíveis para<br />
esse esquecimento da autora. Acredito<br />
que houve sim um sensacionalismo em<br />
torno da “favelada que escreveu um<br />
diário”, mas também uma curiosidade<br />
em torno de um livro que conta o dia a<br />
dia da favela “de dentro”, de um ponto<br />
de vista interno. Houve uma reação<br />
impertinente da imprensa da época<br />
também e talvez a inocência e a inexperiência<br />
de Carolina diante do sucesso<br />
súbito, além de sua postura, pessoal e<br />
na escrita, crítica e franca, que certamente<br />
não agradou a muitos, especialmente<br />
no contexto político da época.<br />
Qual o fato da vida dela ou de<br />
sua obra chama mais sua atenção?<br />
Muitos fatos me chamam a atenção,<br />
mas principalmente o de que uma mulher<br />
com origem humilde e uma vida<br />
tão difícil tenha escrito uma obra extensa<br />
que abrange vários gêneros como<br />
diário, teatro, romance, conto, poesia,<br />
provérbios, autobiografia... é admirável<br />
a dedicação e a consciência que ela tinha.<br />
Além de escritora, era dançarina<br />
e compositora, seus sambas também<br />
refletem sua vida.<br />
Revista Elas por Elas - Abril 2015