You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
89<br />
A violência doméstica parece ser<br />
realidade somente nas periferias da<br />
cidade, entre as classe populares. No<br />
entanto, cada vez mais se sabe que<br />
mulheres de todas as classes sociais,<br />
inclusive com formação acadêmica,<br />
são vítimas de violência por parte de<br />
seus companheiros.<br />
Formada em Letras e professora<br />
há 40 anos, Helena (nome fictício) foi<br />
vítima da agressividade de seu ex-marido.<br />
Após 34 anos de relacionamento,<br />
sendo dez de namoro e 24 de casamento,<br />
ela deu um basta na violência<br />
que a fez sofrer durante anos, e se separou<br />
do marido. “Depois que criei<br />
coragem e saí de casa, comecei a me<br />
cuidar, a gostar de mim de novo”.<br />
Segundo Helena, não foi fácil<br />
tomar essa atitude. Ela sempre achava<br />
que as coisas iam mudar e tinha vergonha<br />
de pedir ajuda. “Era difícil falar<br />
sobre o assunto, eu me sentia uma fracassada,<br />
querendo me reerguer, mas<br />
sem saber como”. Foi então que, um<br />
dia, ela viu uma notícia na televisão<br />
sobre uma mulher que havia levado<br />
inúmeras facadas de seu marido e decidido<br />
dar um fim à violência. “Eu<br />
pensei: vou ter a força dessa mulher.<br />
Entendi que era preciso ter coragem<br />
de denunciar, de falar sobre o assunto,<br />
porque isso inibe quem quer fazer o<br />
mal e dá força a quem precisa sair<br />
dessa situação. Por isso, aceitei dar<br />
este depoimento”.<br />
A primeira vez em que foi agredida<br />
fisicamente pelo ex-marido, ficou com<br />
o rosto todo machucado e roxo. Perdeu<br />
parte dos dentes, e o rumo da<br />
vida... Passou a viver então sob o<br />
domínio do medo. Ele ameaçou que se<br />
ela contasse para alguém, poderia<br />
fazer algo contra seus pais. Ela ficou<br />
apavorada, e resolveu se preparar para<br />
mudar de vida. “A superação não vem<br />
de fora para dentro, vem de dentro<br />
para fora. É cômodo ser a vítima, mas<br />
é difícil sair desse lugar. É preciso acordar<br />
para o fato de que condutas<br />
agressivas por parte de companheiros,<br />
não são normais, e não devem ser<br />
toleradas”.<br />
Continuou vivendo na mesma casa<br />
que ele, mas dormia em outro quarto,<br />
com seus dois filhos pequenos, de<br />
porta trancada. “Ele raramente foi um<br />
pai presente e carinhoso. Nessa<br />
época, os meninos passaram a ter<br />
medo dele”. Helena saía para trabalhar<br />
com receio de que pudesse ser alvo de<br />
violência. “Existe a Lei Maria da<br />
Penha, mas na rua você está sozinha.<br />
A gente não se sente protegida”,<br />
conta. “A cada dia que passava, eu<br />
chegava em casa e me sentia uma vitoriosa.<br />
Eu achava que ia morrer,<br />
mas não parei pela minha fé”.<br />
Houve tempos de alguma convivência<br />
em casa, mas nunca mais<br />
confiou naquele que lhe jurou amor<br />
“Existe a Lei<br />
Maria da Penha,<br />
mas na rua você<br />
está sozinha.<br />
A gente não se<br />
sente protegida”<br />
sem fim no altar, até porque ele não<br />
era mais a mesma pessoa que havia<br />
conhecido anos antes. Cerca de três<br />
anos depois do primeiro episódio de<br />
violência extrema, foi comunicar ao<br />
marido que queria se separar, e novamente<br />
ele a agrediu. “Dessa vez, eu já<br />
estava mais preparada. Consegui me<br />
defender, e os danos foram menores.<br />
Meus filhos já estavam maiores e ajudaram<br />
a me proteger. Nesse dia, eles<br />
me falaram: – Chega, mãe”.<br />
Segundo Helena, duas ocasiões extremas<br />
de violência e muitos episódios<br />
de comportamentos estranhos, agressões<br />
verbais, manifestações de ciúme<br />
e de sentimento de posse a fizeram<br />
chegar à conclusão de que não era possível<br />
mais viver daquela forma. Então<br />
ela tomou fôlego, foi até a Delegacia<br />
de Polícia e registrou boletim de ocorrência.<br />
Juntou algumas roupas suas e<br />
de seus filhos e foi para a casa da mãe,<br />
onde vive até hoje, reorganizando a<br />
própria vida. O ex-marido não aceitou<br />
a separação consensual, que teve que<br />
ser litigiosa, e só terminou de se resolver<br />
recentemente.<br />
Atualmente, ela leciona em uma<br />
escola particular de Belo Horizonte, é<br />
sindicalizada ao Sinpro Minas, e dá<br />
também aulas particulares para complementar<br />
a renda. Cuida dos filhos e<br />
caminha pela vida com um sorriso<br />
aberto, que traduz a beleza de quem<br />
redescobriu a própria força de mulher<br />
guerreira que é.” Ele me magoou<br />
muito, mas eu não quis perder a minha<br />
alegria de viver. Nunca pensei em dar<br />
o troco, mas sim em superar, sendo<br />
uma pessoa melhor. A gente tem uma<br />
força que desconhece. Hoje, sou uma<br />
pessoa mais forte e totalmente apaixonada<br />
por mim, pela minha força e fé,<br />
e é isso que me move...”<br />
Revista Elas por Elas - Abril 2015