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“A maior herança<br />
que um noronhense<br />
consegue deixar<br />
para o filho é a<br />
possibilidade de<br />
ele ser morador<br />
permanente<br />
da ilha”.<br />
O drama das mães de Noronha<br />
nem sempre começa no momento de<br />
deixar a ilha. Muitas vezes, os problemas<br />
só aparecem na hora do retorno. Permanecer<br />
no arquipélago nem sempre<br />
é uma opção para as mulheres que<br />
não nasceram lá e engravidam. A copeira<br />
Leyliane Silva morava em Fernando<br />
de Noronha há dois anos quando<br />
descobriu que teria que deixar para<br />
trás o sonho de construir uma família.<br />
Como residente temporária, Leyliane<br />
não pode voltar à ilha com a filha sem<br />
pagar a Taxa de Preservação Ambiental<br />
(TPA), valor cobrado a todo turista que<br />
visita a ilha. A taxa custava R$ 45,60<br />
por dia quando a menina nasceu (hoje<br />
o valor é R$ 51,40). Para manter a primeira<br />
filha, Beatriz Catarina, no arquipélago,<br />
ela precisaria desembolsar R$<br />
1.368,00 mensalmente.<br />
O preço para manter a família<br />
unida, no entanto, não cabia no bolso<br />
da copeira. O pai de Beatriz também é<br />
morador temporário da ilha e não conheceu<br />
a filha até os 4 meses. “Vamos<br />
para lá sabendo que a situação das mulheres<br />
é complicada, mas é muito difícil<br />
quando chega a nossa vez”, disse. Por<br />
conta do diagnóstico de diabetes gestacional,<br />
Leilyane viajou cedo para o continente.<br />
“A ilha é uma fantasia. Quando<br />
cheguei, achei que estava no paraíso.<br />
Com o tempo, nos damos conta de que<br />
a vida lá é mais complicada do que se<br />
possa imaginar”, revelou. Sem poder<br />
voltar para Fernando de Noronha e<br />
reencontrar o marido, Leilyane vive em<br />
Escada, município da Zona da Mata de<br />
Pernambuco.<br />
Nascer em Noronha é quase como<br />
ter um green card. Foi o que contou a<br />
mulher que ajudou quase 50 mães de<br />
Noronha a dar à luz, mas não conseguiu<br />
ter os seus perto de casa. Auxiliar de<br />
enfermagem do Hospital São Lucas<br />
de 1998 a 2007, Francinete Lins nasceu<br />
em Fernando de Noronha. Os<br />
filhos dela, Ruan e Eloá, no entanto,<br />
tiveram que nascer no Recife. Na certidão<br />
de nascimento, consta que eles<br />
são noronhenses. Filhos de nativos<br />
têm o direito de serem registrados<br />
como se tivessem nascido na ilha. “A<br />
maior herança que um noronhense<br />
consegue deixar para o filho é a possibilidade<br />
de ele ser morador permanente<br />
da ilha”, afirmou.<br />
De acordo com Francinete, há uma<br />
grande incidência de casos de depressão<br />
pós-parto entre as mulheres de Fernando<br />
de Noronha. “Não há estudo que comprove<br />
isso, mas já observei que muitas<br />
mulheres acabam tendo sintomas de<br />
depressão após terem dado à luz”, observou.<br />
No Brasil, cerca de 40% das<br />
mães desenvolvem depressão, sendo<br />
que em 10% dos casos, o problema<br />
aparece de forma mais severa. “Ficamos<br />
longe da família, do marido, de tudo<br />
para termos nossos filhos. Nossa licença<br />
maternidade começa aos sete meses<br />
de gestação. Temos que retornar ao<br />
trabalho quando o bebê ainda tem dois<br />
meses de vida, mas a única creche da<br />
ilha só aceita as crianças a partir do<br />
quarto mês. Tem como não se desesperar?”,<br />
questionou.<br />
Francinete era auxiliar do médico<br />
José de Arimathea, o último a realizar<br />
partos no arquipélago. Nos anos 1990,<br />
ele foi chamado pelo governo de Pernambuco<br />
para uma missão amplamente<br />
rejeitada por colegas de profissão: atuar<br />
em Fernando de Noronha, ilha situada<br />
a mais de 500 km do Recife, onde ele<br />
vivia. Como já estava aposentado, decidiu<br />
aceitar o convite. Mesmo não<br />
sendo ginecologista e obstetra, o médico<br />
é referência no arquipélago quando o<br />
assunto é parto. “Eu era médico generalista.<br />
Tratava desde os doentes mais<br />
simples até as pessoas que precisavam<br />
de cirurgia. De menino pequeno a gestante”.<br />
Quando chegou à ilha, não<br />
havia farmácia ou equipamentos para<br />
fazer exames. “Mandávamos buscar<br />
tudo de avião. Os medicamentos só<br />
chegavam no dia seguinte”, recorda.<br />
No ano em que ele precisou retornar<br />
ao Recife por motivos pessoais, o governo<br />
desativou a maternidade do Hospital<br />
São Lucas. “Eu mesmo sugeri<br />
que não houvesse mais parto na ilha.<br />
As poucas parteiras que atuavam lá<br />
não tinham orientação. Hoje, só se<br />
faz parto com pediatra, anestesista.<br />
Na minha época não tinha isso”, disse.<br />
Atualmente, não existem parteiras em<br />
Fernando de Noronha.<br />
Todos os relatos foram publicados<br />
numa série de reportagens de três dias<br />
do Diário de Pernambuco, em 2013.<br />
As histórias também estão disponíveis<br />
em vídeo pelo site hotsites.diariodepernambuco.com.br/vidaurbana/2013/<br />
maes-de-noronha.ø<br />
A autora é jornalista e repórter do<br />
Diário de Pernambuco<br />
Revista Elas por Elas - Abril 2015