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“… As oito e meia da noite<br />
eu ja estava na favela<br />
respirando o odor dos<br />
excrementos que mescla<br />
com o barro podre. Quando<br />
estou na cidade tenho a<br />
impressão que estou na<br />
sala de visita com seus<br />
lustres de cristais, seus<br />
tapetes de viludos,<br />
almofadas de sitim. E<br />
quando estou na favela<br />
tenha a impressão que sou<br />
um objeto fora do uso,<br />
digno de estar num quarto<br />
de despejo”. (Quarto de<br />
Despejo, 2007, p.38).<br />
"O livro... me fascina.<br />
Eu fui criada no mundo.<br />
Sem orientação materna.<br />
Mas os livros guiou os meus<br />
pensamentos. Evitando os<br />
abismos que encontramos<br />
na vida. Bendita as horas<br />
que passei lendo. Cheguei a<br />
conclusão que é o pobre<br />
quem deve ler. Porque o<br />
livro, é a bussola que ha de<br />
orientar o homem no porvir<br />
(...)" (Meu estranho diário,<br />
1996, p. 167).<br />
"O homem que cultiva o ódio<br />
racial é um imbecil" – (Provérbios.<br />
São Paulo: Editor Áquila,<br />
1963).<br />
Trechos de obras da escritora<br />
Carolina de Jesus<br />
Comentários<br />
críticos sobre obras<br />
de Carolina<br />
Fugindo aos cânones do que se considera<br />
“literatura” em meios acadêmicos,<br />
Quarto de Despejo é mais do que um<br />
simples depoimento; trata-se de uma<br />
obra em que, a despeito das condições<br />
materiais e culturais de sua autora, constrói-se<br />
uma forte e única representação<br />
da dinâmica social urbana, vista pelo<br />
ângulo dos que são lançados à margem.<br />
Carolina Maria de Jesus escreve para<br />
denunciar a favela e para sair dela; escreve<br />
também para, diferenciando-se<br />
dos outros moradores, lutar contra o<br />
rebaixamento a que estão sujeitos os<br />
miseráveis, num momento em que se<br />
anuncia novo salto modernizador de<br />
São Paulo e do Brasil.<br />
Em Casa de Alvenaria, notam-se<br />
mais explicitamente as contradições da<br />
autora quanto ao que deseja para si<br />
mesma e para sua família. Também<br />
ficam patentes suas hesitações com relação<br />
aos anseios por reconhecimento<br />
público ou ao repúdio pelos mecanismos<br />
sociais que dificultam o trajeto<br />
profissional como escritora. Essa conjunção,<br />
por vezes discrepante, ajuda a<br />
entender as razões pelas quais essa<br />
obra é considerada pouco significativa<br />
e muito voltada para o trajeto instável<br />
de um indivíduo. Confinada à forma do<br />
diário, Carolina Maria de Jesus parece<br />
se sentir compelida a repetir uma fórmula,<br />
cujo efeito não tem a força de revelação<br />
de Quarto de Despejo. A<br />
figura da ex-favelada não desperta interesse,<br />
porque ela e sua obra são objeto<br />
de atenção apenas enquanto<br />
revelam a face negativa do desenvolvimentismo;<br />
já as oscilações ideológicas<br />
da mulher que, famosa, busca a atenção<br />
da imprensa e do público não trazem<br />
à época elementos que se julguem<br />
significativos.<br />
Diário de Bitita, publicado após<br />
a morte da autora, resgata a força literária<br />
da produção de Carolina Maria<br />
de Jesus. Trata-se de memórias da infância<br />
e da adolescência, em Sacramento<br />
e nas fazendas onde trabalha<br />
como colona, bem como de seus primeiros<br />
tempos em Franca. Nesta obra,<br />
os temas da injustiça social, da opressão,<br />
do preconceito contra os negros, dos<br />
abusos dos poderosos são apresentados<br />
a partir da perspectiva daquela que os<br />
viveu. Apesar de suas condições materiais,<br />
Carolina Maria de Jesus lutou<br />
para conquistar dignidade e para se<br />
constituir como alguém que resiste à<br />
exploração e à desumanização. A obra<br />
testemunha a história dessa luta e da<br />
opressão a que estão confinados os<br />
pobres no Brasil das primeiras cinco<br />
décadas do século XX.ø<br />
Fonte: Enciclopédia de Literatura/Itau Cultural,<br />
citado por FENSKE, Elfi Kürten (pesquisa, seleção<br />
e organização). Carolina Maria de Jesus - a voz<br />
dos não têm a palavra. Templo Cultural Delfos,<br />
maio/2014. Disponível no link. http://www.elfikurten.com.br/2014/05/carolina-maria-de-jesus.html<br />
(acessado em 6/02/2015).<br />
Revista Elas por Elas - Abril 2015