71 “A maior herança que um noronhense consegue deixar para o filho é a possibilidade de ele ser morador permanente da ilha”. O drama das mães de Noronha nem sempre começa no momento de deixar a ilha. Muitas vezes, os problemas só aparecem na hora do retorno. Permanecer no arquipélago nem sempre é uma opção para as mulheres que não nasceram lá e engravidam. A copeira Leyliane Silva morava em Fernando de Noronha há dois anos quando descobriu que teria que deixar para trás o sonho de construir uma família. Como residente temporária, Leyliane não pode voltar à ilha com a filha sem pagar a Taxa de Preservação Ambiental (TPA), valor cobrado a todo turista que visita a ilha. A taxa custava R$ 45,60 por dia quando a menina nasceu (hoje o valor é R$ 51,40). Para manter a primeira filha, Beatriz Catarina, no arquipélago, ela precisaria desembolsar R$ 1.368,00 mensalmente. O preço para manter a família unida, no entanto, não cabia no bolso da copeira. O pai de Beatriz também é morador temporário da ilha e não conheceu a filha até os 4 meses. “Vamos para lá sabendo que a situação das mulheres é complicada, mas é muito difícil quando chega a nossa vez”, disse. Por conta do diagnóstico de diabetes gestacional, Leilyane viajou cedo para o continente. “A ilha é uma fantasia. Quando cheguei, achei que estava no paraíso. Com o tempo, nos damos conta de que a vida lá é mais complicada do que se possa imaginar”, revelou. Sem poder voltar para Fernando de Noronha e reencontrar o marido, Leilyane vive em Escada, município da Zona da Mata de Pernambuco. Nascer em Noronha é quase como ter um green card. Foi o que contou a mulher que ajudou quase 50 mães de Noronha a dar à luz, mas não conseguiu ter os seus perto de casa. Auxiliar de enfermagem do Hospital São Lucas de 1998 a 2007, Francinete Lins nasceu em Fernando de Noronha. Os filhos dela, Ruan e Eloá, no entanto, tiveram que nascer no Recife. Na certidão de nascimento, consta que eles são noronhenses. Filhos de nativos têm o direito de serem registrados como se tivessem nascido na ilha. “A maior herança que um noronhense consegue deixar para o filho é a possibilidade de ele ser morador permanente da ilha”, afirmou. De acordo com Francinete, há uma grande incidência de casos de depressão pós-parto entre as mulheres de Fernando de Noronha. “Não há estudo que comprove isso, mas já observei que muitas mulheres acabam tendo sintomas de depressão após terem dado à luz”, observou. No Brasil, cerca de 40% das mães desenvolvem depressão, sendo que em 10% dos casos, o problema aparece de forma mais severa. “Ficamos longe da família, do marido, de tudo para termos nossos filhos. Nossa licença maternidade começa aos sete meses de gestação. Temos que retornar ao trabalho quando o bebê ainda tem dois meses de vida, mas a única creche da ilha só aceita as crianças a partir do quarto mês. Tem como não se desesperar?”, questionou. Francinete era auxiliar do médico José de Arimathea, o último a realizar partos no arquipélago. Nos anos 1990, ele foi chamado pelo governo de Pernambuco para uma missão amplamente rejeitada por colegas de profissão: atuar em Fernando de Noronha, ilha situada a mais de 500 km do Recife, onde ele vivia. Como já estava aposentado, decidiu aceitar o convite. Mesmo não sendo ginecologista e obstetra, o médico é referência no arquipélago quando o assunto é parto. “Eu era médico generalista. Tratava desde os doentes mais simples até as pessoas que precisavam de cirurgia. De menino pequeno a gestante”. Quando chegou à ilha, não havia farmácia ou equipamentos para fazer exames. “Mandávamos buscar tudo de avião. Os medicamentos só chegavam no dia seguinte”, recorda. No ano em que ele precisou retornar ao Recife por motivos pessoais, o governo desativou a maternidade do Hospital São Lucas. “Eu mesmo sugeri que não houvesse mais parto na ilha. As poucas parteiras que atuavam lá não tinham orientação. Hoje, só se faz parto com pediatra, anestesista. Na minha época não tinha isso”, disse. Atualmente, não existem parteiras em Fernando de Noronha. Todos os relatos foram publicados numa série de reportagens de três dias do Diário de Pernambuco, em 2013. As histórias também estão disponíveis em vídeo pelo site hotsites.diariodepernambuco.com.br/vidaurbana/2013/ maes-de-noronha.ø A autora é jornalista e repórter do Diário de Pernambuco Revista Elas por Elas - Abril 2015
72 foto LAIS RODRIGUES CAPA <strong>POR</strong> SAULO ESLLEN MARTINS Entre o mito e a realidade Ciganas sonham com um futuro sem discriminação Revista Elas por Elas - Abril 2015