Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM
Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM
Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
104<br />
achavam-se, quase explicitamente, fora das políticas do governo. Convém<br />
recordar que gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sses “<strong>de</strong>socupados” vinha <strong>de</strong> uma massa recém-<br />
liberada da escravidão, agora alçada à categoria <strong>de</strong> pobreza ociosa. Deste<br />
modo, e por essa razão, cabe à cor a tarefa <strong>de</strong> dar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> como o<br />
protagonista, João Francisco, vê as coisas. Quando retrata essa figura, o filme<br />
é sufocante, parece ressudar. As vestimentas também test<strong>em</strong>unham essa<br />
mesma atmosfera. A trupe opta pelas cores sóbrias, frias. João Francisco<br />
costumeiramente acha-se <strong>em</strong> calças e camisas sociais sob blazers largos,<br />
tudo <strong>em</strong> cores neutras: cinza, preto, branco. Laurita apresenta-se, na noite, <strong>de</strong><br />
vestido solto, ajustado na cintura, <strong>em</strong> tons terrosos, s<strong>em</strong> muitos <strong>de</strong>cotes, n<strong>em</strong><br />
fendas, com babados na altura do peito, como uma blusa cigana. Por sua vez,<br />
Tabu, opta por saias ou vestidos, <strong>em</strong> tons claros. Certa escuridão também se<br />
reflete principalmente nos pequenos e claustrofóbicos espaços <strong>em</strong> que as<br />
cenas se passam. Nesses espaços, as personagens e cenário se confun<strong>de</strong>m.<br />
Não se sabe on<strong>de</strong> termina um e começa outro. A predominância <strong>de</strong> cores<br />
escuras associa-se à sujeira, à sombra, às coisas escondidas <strong>de</strong> que fala<br />
Farina (1986, p.113). A prepon<strong>de</strong>rância <strong>de</strong>ssas cores cria uma sensação <strong>de</strong><br />
angústia, <strong>de</strong>sperta-nos certa condolência. Nesses momentos, o próprio<br />
glamour é sujo e limitado.<br />
Generated by Foxit PDF Creator © Foxit Software<br />
http://www.foxitsoftware.com For evaluation only.<br />
Quando, no entanto, João Francisco dos Santos assume a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
Madame Satã, as cores mudam e adquir<strong>em</strong> nova conotação. A i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong><br />
assumida nesse momento é totalmente <strong>de</strong>stoante daquela do nor<strong>de</strong>stino<br />
pobre e relegado às margens. Madame Satã é a carta <strong>de</strong> alforria <strong>de</strong> João. É<br />
como um passaporte para o outro lado do cinturão pobre <strong>de</strong> cujo acesso ele é<br />
privado. E se po<strong>de</strong> perceber isso na cena <strong>em</strong> que ele canta e dança,<br />
travestido <strong>de</strong> Satã: o batom nos lábios, o dourado das roupas, a luz que inci<strong>de</strong><br />
sobre o seu corpo, até os próprios amigos, <strong>em</strong> cores vivas e alegres,<br />
simbolizam a vida que se opõe à morte, a luz que se opõe às trevas, a<br />
limpeza que se opõe ao sujo, o B<strong>em</strong> que suplanta o Mal; é “o fausto luminoso”<br />
da esperança <strong>de</strong> alguém que se <strong>de</strong>seja estrela. Madame Satã é sobre isso:<br />
sobre o romper da cor por entre a escuridão. Nessas cenas, como bolas<br />
ígneas <strong>de</strong>sfocadas, fulguram os paetês do vestido <strong>de</strong> Vitória dos Anjos, a