Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM
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exclusão do indivíduo do rol daqueles que contribuíam para a regeneração<br />
nacional, para a higienização urbana.<br />
Nessa cena também, a máxima “dize-me com qu<strong>em</strong> andas e eu te direi<br />
qu<strong>em</strong> és” parece aplicar-se perfeitamente. Ser visto na companhia <strong>de</strong><br />
“pe<strong>de</strong>rastas, prostitutas, proxenetas e outras pessoas do mais baixo nível<br />
social” é um atestado claro da procedência e, portanto, do modo <strong>de</strong> conduta<br />
<strong>de</strong> João Francisco. Os tipos sociais com os quais ele mantinha contato feriam<br />
o padrão <strong>de</strong> conduta legitimado pela socieda<strong>de</strong> daquela época (e <strong>de</strong>sta, por<br />
que não?). Suas manifestações não se enquadravam na matriz instituída e<br />
reconhecida pelo corpo social, razão pela qual foram <strong>de</strong>finidas como<br />
<strong>de</strong>sviantes, anormais, ilegítimas, transgressoras. Para reforçar essa marca<br />
contraventora, a orientação sexual <strong>de</strong> João fere o paradigma sexo-gênero<strong>de</strong>sejo,<br />
que até então era tido como o “normal”. Fere porque, na medida <strong>em</strong><br />
que, sendo “hom<strong>em</strong>”, pertencente ao gênero masculino, o discurso legitimado<br />
pelos representantes sociais pregava que <strong>de</strong>senvolvesse atração por<br />
indivíduo do sexo oposto – ou seja, uma mulher –, o jov<strong>em</strong>, entretanto, <strong>de</strong>seja<br />
alguém <strong>de</strong> sexo s<strong>em</strong>elhante ao seu.<br />
É importante notar como a marginalida<strong>de</strong> expressa pelo conteúdo<br />
verbal da cena é corroborada pelo aspecto visual da personag<strong>em</strong> e do<br />
ambiente <strong>em</strong> que ela se encontra. Envolto <strong>em</strong> sangue, olhos e lábios<br />
entreabertos, iluminado por uma luz <strong>em</strong>baçada, reforçando a tonalida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />
sua pele, João Francisco <strong>em</strong> muito l<strong>em</strong>bra o feitio <strong>de</strong> um bicho. Ou pelo<br />
menos, t<strong>em</strong> apagados muitos <strong>de</strong> seus traços humanos.<br />
4.3 Emergência e representação do gay-hom<strong>em</strong> <strong>em</strong> Madame Satã<br />
Apesar das várias tentativas <strong>de</strong> se fazer uma periodização, a maioria<br />
dos estudiosos <strong>de</strong> Foucault acaba combinando critérios metodológicos e<br />
cronológicos <strong>em</strong> seus ensaios <strong>de</strong> organizar os trabalhos foucaultianos. Dessa<br />
combinação resultam três épocas, que se <strong>completa</strong>m, s<strong>em</strong> que uma<br />
predomine <strong>em</strong> relação à outra: a arqueologia (ser-saber), a genealogia (serpo<strong>de</strong>r)<br />
e a ética (ser-si).