Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM
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A certa altura da narrativa, quando confrontado por um agressivo<br />
frequentador do Danúbio Azul, bar <strong>de</strong> seu amigo Amador e palco <strong>de</strong> suas<br />
primeiras apresentações, João Francisco <strong>de</strong>fine, com raiva, seu direito à<br />
diferença: "Eu sou ‘bicha’ porque eu quero, e não <strong>de</strong>ixo <strong>de</strong> ser hom<strong>em</strong> por<br />
causa disso não!".<br />
É o grito <strong>de</strong> uma figura que reclama para si a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser<br />
diferente. O mesmo direito que também é reivindicado <strong>em</strong> outro momento da<br />
obra quando, diante do High Life Club, “o mais chiquê da cida<strong>de</strong>”, João,<br />
Laurita e Tabu são impedidos <strong>de</strong> entrar pelo segurança do estabelecimento, já<br />
que ali não podia entrar “n<strong>em</strong> puta n<strong>em</strong> vagabundo”. Diante das palavras do<br />
funcionário, João retruca que não há nenhum <strong>de</strong>sses nomes estampados <strong>em</strong><br />
sua testa. E <strong>completa</strong>: “Ao que me consta eu não lhe <strong>de</strong>vo nada! Porque a<br />
qu<strong>em</strong> eu <strong>de</strong>vo eu pago.” O resultado <strong>de</strong>ssa contenda é uma violenta luta, na<br />
qual os seguranças são espancados, a golpe <strong>de</strong> capoeira, por Satã.<br />
Contrariando a representação abstrata incutida <strong>em</strong> nossa m<strong>em</strong>ória acerca do<br />
que po<strong>de</strong>ria se esperar do rapaz, tendo <strong>em</strong> vista sua orientação sexual e o<br />
próprio momento histórico <strong>em</strong> que a cena se passa, há uma reação à<br />
possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o clube não comportar a presença <strong>de</strong>les ali. Mais uma vez,<br />
Madame rompe os padrões <strong>de</strong> atuação que privilegiavam a ef<strong>em</strong>inação e uma<br />
imitação do comportamento associado a mulheres, distanciando-se dos<br />
estereótipos sociais reinantes acerca das “bichas”.<br />
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A Madame Satã <strong>de</strong> proporções míticas era masculino, corajoso, viril e<br />
violento como os malandros <strong>de</strong>v<strong>em</strong> ser. Green (2003) afirma que o<br />
homoerotismo <strong>de</strong>sse sujeito “fez <strong>de</strong>le uma figura intrigante, um bicho raro – ou<br />
talvez uma bicha rara – que <strong>de</strong>safiava os estereótipos e <strong>de</strong>sestabilizava o que<br />
se acreditava ser o comportamento apropriado para os homossexuais<br />
brasileiros.” O autor também nos narra um episódio que retrata b<strong>em</strong> essa<br />
quebra <strong>de</strong> paradigma que se vê <strong>em</strong> Satã. Era noite e João Francisco voltava<br />
para o seu quarto na Lapa. Ao avistá-lo, um guarda-noturno abordou-o<br />
agressivamente, chamando-o <strong>de</strong> “viado”. Insistiu ainda tratando-o por<br />
“vagabundo”. Ao que o moço respon<strong>de</strong> que estava no trabalho. “Só se foi do<br />
trabalho <strong>de</strong> dar a bunda ou <strong>de</strong> roubar os outros”, retrucou o ofensor. E foi