Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM

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proventos de trabalho digno, só podem ser estas economias produtos
de atos repulsivos ou criminosos. Pode-se adiantar que o sindicado já
respondeu a vários processos e, sempre que é ouvido em cartório,
provoca incidentes e agride os funcionários da polícia. É um indivíduo
de temperamento calculado, propenso ao crime e por todas as razões
inteiramente nocivo à sociedade. Rio de janeiro, Distrito Federal, doze
dias do mês de maio do ano de 1932."
Há, nessa cena, claras marcas de um discurso que, ao valorizar certos
atributos (ou a ausência deles) promove um outro, tido como normal, correto,
adequado. Dessa maneira, a condição de desordeiro do prisioneiro é
reforçada, por exemplo, pela sua frequência habitual à Lapa e as suas
imediações. Convém relembrar que a Lapa do início do século XX era o
“refúgio” preferencial de grande parte daqueles afetados pela destruição
modernizadora do prefeito Pereira Passos (1902-1906), passada para a
história com o eloquente nome de “bota-abaixo”, cuja meta era apagar a
imagem do passado colonial do Rio de Janeiro. Famosa por seus ricos
sobrados e palacetes, ocupados por endinheiradas famílias, a Lapa viu seus
portentosos domicílios caírem em progressiva desvalorização como
consequência direta do enorme “cinturão de pobreza” que se formou em seus
entornos. Assim, em ação inversa àquela a que intentavam as mudanças da
prefeitura, em pouco tempo, as suntuosas moradias da Lapa, transformadas
em cômodos de aluguel, passaram a abrigar diversas famílias, resultando na
degradação das suas exuberantes residências e em um acúmulo, cada vez
maior, de párias sociais. O resultado foi a proliferação dos cortiços, tão
veementemente condenados durante a administração de Pereira Passos. Era
exatamente o que o prefeito não desejava: o distanciamento das classes
abastadas do núcleo central da cidade e a sua ocupação pelas camadas
economicamente desprivilegiadas. O que se pode notar é que a má fama de
que gozava a Lapa concorre para solidificar o julgamento que o oficial da
polícia dispunha acerca de João Francisco. De modo semelhante, o não
exercício de um trabalho formal, logo digno, estabelece o pressuposto de que,
quaisquer que fossem os rendimentos do cativo, não eram oriundos de
atividades honrosas, merecedoras de deferência. Tal conjectura faz coro às
políticas governamentais anteriormente aqui expostas. Partindo da premissa
de que a condição para a cidadania social era a inserção no mercado formal
de trabalho, o não cumprimento dessa exigência implicava a automática