Dissertação completa - Programa de Pós-Graduação em Letras - UEM
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contrair matrimônio ou mesmo exercer sobre eles o direito <strong>de</strong> vida e <strong>de</strong> morte.<br />
Embora entre os soberanos e os súditos essa prerrogativa não fosse admitida<br />
<strong>em</strong> termos absolutos e <strong>de</strong> modo incondicional, nos casos <strong>em</strong> que a existência<br />
do monarca se encontrasse exposta, era-lhe permitida uma espécie <strong>de</strong> direito<br />
<strong>de</strong> réplica, reclamando a morte do ameaçante, ainda que <strong>de</strong> modo indireto.<br />
Todavia, se a insurreição partisse <strong>de</strong> um dos seus sujeitados, nesse caso<br />
po<strong>de</strong>ria requerer-lhe a vida, matá-lo a título <strong>de</strong> castigo. A esse respeito,<br />
Foucault (1988) comenta:<br />
De qualquer modo, o direito <strong>de</strong> vida e morte, sob esta forma mo<strong>de</strong>rna,<br />
relativa e limitada, como também sua forma antiga e absoluta, é um<br />
direito assimétrico. O soberano só exerce, no caso, seu direito sobre a<br />
vida, exercendo seu direito <strong>de</strong> matar ou contendo-o; só marca seu po<strong>de</strong>r<br />
sobre a vida pela morte que t<strong>em</strong> condições <strong>de</strong> exigir. O direito que é<br />
formulado como ‘<strong>de</strong> vida e morte’ é, <strong>de</strong> fato, o direito <strong>de</strong> causar a morte<br />
ou <strong>de</strong> <strong>de</strong>ixar viver... O po<strong>de</strong>r era, antes <strong>de</strong> tudo, nesse tipo <strong>de</strong><br />
socieda<strong>de</strong>, direito <strong>de</strong> apreensão das coisas, do t<strong>em</strong>po, dos corpos e,<br />
finalmente, da vida; culminava com o privilégio <strong>de</strong> se apo<strong>de</strong>rar da vida<br />
para suprimi-la (ibi<strong>de</strong>m, p. 148)<br />
Ocorre que, a partir da época clássica, os mecanismos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r até<br />
então <strong>em</strong> vigor começaram a sofrer intensa mudança. Brota, aos poucos, uma<br />
nova concepção <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r que, no lugar <strong>de</strong> barrar as forças, dobrá-las ou<br />
aniquilá-las, propõe-se a fomentá-las, a fazê-las crescer, a or<strong>de</strong>ná-las. Com<br />
isso, o direito <strong>de</strong> morte passa a inclinar-se ou, pelo menos, a apoiar-se “nas<br />
exigências <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r que gere a vida e a se or<strong>de</strong>nar <strong>em</strong> função dos seus<br />
reclamos” (ib., p. 48). O direito <strong>de</strong> um soberano <strong>de</strong> reclamar a morte para<br />
<strong>de</strong>fesa <strong>de</strong> sua existência ce<strong>de</strong> espaço à prerrogativa do corpo social <strong>de</strong><br />
garantir sua própria vida, <strong>de</strong> conservá-la, <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvê-la. Em <strong>de</strong>corrência<br />
disso, a razão <strong>de</strong> ser das guerras <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> ser a <strong>de</strong>fesa do soberano e<br />
começa a ser a existência <strong>de</strong> todos. Populações inteiras dizimam-se<br />
mutuamente pela necessida<strong>de</strong> se manter<strong>em</strong> vivas.<br />
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O século XVIII viu <strong>de</strong>spontar, então, o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> um po<strong>de</strong>r<br />
sobre a vida, apresentado <strong>em</strong> duas formas não antagônicas e<br />
compl<strong>em</strong>entares, constituintes <strong>de</strong> dois polos interligados por um feixe <strong>de</strong><br />
relações. O primeiro, assegurado por procedimentos <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, t<strong>em</strong> no corpo<br />
como máquina o seu centro. Visa, por meio da constituição <strong>de</strong> procedimentos