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JANSENISMO FRANCÊS NUM CÓDICE DA BIBLIOTECA NACIONAL DE PORTUGAL<br />

Filopista. Sou da vossa opinião, e reconheço convosco que esta segunda liberdade de indifferença<br />

hé muito mais conforme aos sentimentos da natureza; os quaes não reconhecem nem a desordem<br />

em que o homem cahio pello seo peccado, nem a necessidade que ellle tem de h ~ ua Graça que<br />

lhe fassa querer e fazer o bem; e esta segunda liberdade de indifferença hé com effeito tão natural<br />

que foi com ella que os Anjos e os hom ~ es forão por Deus creados, deixando ao seu poder e vontade<br />

o perseverarem na innocencia se quizessem. Porem mudando elles de estado pello seo peccado, e<br />

ficando a sua vontade inteiramente sujeita à lei do mesmo peccado; se a Graça a não liberta; de<br />

necessidade devemos discorrer sobre o estado em que se acha presentemente a nossa liberdade de<br />

hum modo mui differente daquelle em que ella estava quando nenh ~ ua paixão a dominava, e que ate<br />

mesmo o uso da Graça dependia totalmente da sua vontade. Os Pelagianos por isso sustentavão com<br />

tanta força esta segunda indifferença, porque não querião reconhecer nem a corrupção da natureza,<br />

nem Graça alg ~ ua que não fosse submettida à nossa vontade. Porem vós, Teotimo, eu não posso crer<br />

que queiraes seguir o partido destes inimigos da Graça. Estou muito certo da veneração que consagraes<br />

à doutrina dos Santos Padres e sobretudo à de Santo Agostinho, a qual nestas materias hé a<br />

mesma da Igreja.<br />

Teotimo. Eu certamente a venero muito, e reconhecendo com este Santo Doutor a fraqueza<br />

em que o homem ficou pello seo peccado, e a necessidade que tem para se vencer de h ~ ua Graça que<br />

domine e subjugue a sua concupiscencia e se apodere da sua vontade, somente quereria que tivesses<br />

a bondade de me explicar de que modo seja verdadeiramente livre e virtuozo e digno de louvor<br />

e recompensa todo o bem que fazemos pello movimento desta Graça, e de que todo o mal que fazemos<br />

pello movimento da nossa concupiscencia se lhe possa chamar h ~ ua acção livre, vicioza e digna<br />

de castigo, h ~ ua vez que a liberdade de indifferença de que tratamos nos não assiste em todas as nossas<br />

acções.<br />

Filopista. Sendo certo que esta liberdade de indifferença não hé senão um estado da nossa<br />

liberdade, a qual por modo nenhum constitue a sua essencia, e que outra liberdade existe que seja<br />

essencial à nossa vontade, e que dela hé inseparável, a qual, como temos explicado, consiste em não<br />

obrar senão porque queremos, e quando queremos, fica fácil de perceber que para h ~ ua acção se chamar<br />

essencialmente livre e por consequencia virtuosa ou viciosa e digna de premio ou castigo, basta<br />

precisamente que ella proceda da nossa vontade, e que seja feita porque nós a queremos fazer. Quem<br />

ousará por exemplo dizer que as blasfemias que os demonios continuamente vomitam contra Deos,<br />

não sejão h ~ uas impiedades viciosissimas e dignas de h ~ ua execração eterna? E pello contrario quem<br />

poderá pensar que o amor com que Deos se ama a si mesmo e com que os Bemaventurados o amão,<br />

não sejão actos da mais perfeita de todas as virtudes, dignos de hum eterno louvor? E contudo em<br />

nenh ~ us destes actos entra o mais leve influxo da liberdade de indifferença e a única razão por que<br />

se reputão esses actos dignos de louvor ou vitupério, não hé outra senão o nascerem todos elles da<br />

vontade como principio que os forma. Fica logo claro pellos exemplos do amor com que Deos se<br />

ama e com que os Bemaventurados o amão, que basta esta liberdade essencial pella qual todos os<br />

nossos actos provêm da vontade, e tudo quanto fazemos o fazemos porque queremos: basta isto<br />

para se poder dizer que todas as nossas acções são livres e por consequencia viciosas ou virtuosas e<br />

dignas de premio ou castigo. O mesmo Santo Agostinho se servia destes exemplos para provar contra<br />

os Pelagianos que para que h ~ ua acção seja livre não hé necessário que ella se possa deixar de fazer<br />

ou fazer a contraria. Com isso não quero dizer-vos, Teotimo, como já vos disse, que eu não reco-<br />

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