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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 115-121, <strong>de</strong>z. 2006<br />

tempo em que se dá a ação <strong>do</strong> romance. De maneira que, em nossas diferenças e<br />

singularida<strong>de</strong>s, tornamo-nos nós o espaço <strong>de</strong> articulação <strong>de</strong>ssa fala invisível, dan<strong>do</strong> ao<br />

visitante a voz que a princípio não tem.<br />

De fato, parece ter si<strong>do</strong> precisamente essa a proposta <strong>de</strong> Guimarães Rosa em<br />

Gran<strong>de</strong> sertão: veredas. Já em nossas primeiras leituras <strong>de</strong>sse livro, percebíamos que<br />

várias das frases <strong>de</strong> Riobal<strong>do</strong> que faziam referência explícita ao homem <strong>de</strong> fora eram<br />

particularmente esclarece<strong>do</strong>ras quanto aos rumos <strong>do</strong> texto. Elas traziam reflexões <strong>de</strong><br />

cunho metanarrativo, que po<strong>de</strong>riam ser entendidas enquanto pistas <strong>de</strong>ixadas no<br />

romance para serem seguidas, mais tar<strong>de</strong>, pelo leitor. Pelo menos é essa uma das<br />

teses implícitas em "Gran<strong>de</strong> sertão: veredas — a metanarrativa como necessida<strong>de</strong><br />

diferenciada", ensaio <strong>de</strong> Lígia Chiappini (1998), que, <strong>de</strong>ntre a vasta fortuna crítica <strong>de</strong><br />

Rosa, foi uma das gran<strong>de</strong>s fontes <strong>de</strong> inspiração para o presente trabalho.<br />

Nesse artigo, a autora lista e classifica, em quatro grupos distintos, uma série <strong>de</strong><br />

passagens nas quais o hóspe<strong>de</strong> <strong>de</strong> Riobal<strong>do</strong> é explicitamente menciona<strong>do</strong>. Um <strong>de</strong>les —<br />

<strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> metalingüístico — nos interessa particularmente. Nele, vemos passagens<br />

<strong>do</strong> texto que atraem o olhar <strong>do</strong> leitor para o processo <strong>de</strong> composição da narrativa.<br />

Reven<strong>do</strong> as citações que foram aí classificadas, temos uma boa amostra <strong>do</strong> que<br />

po<strong>de</strong>ria nos servir <strong>de</strong> ponto <strong>de</strong> partida para a hipótese que queremos propor. Nelas,<br />

<strong>de</strong>paramos com colocações que, refletin<strong>do</strong> a respeito <strong>de</strong> diferentes aspectos da<br />

narrativa, po<strong>de</strong>riam ser entendidas como o esboço <strong>de</strong> uma problematização literária no<br />

âmbito das poéticas da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>. A oralida<strong>de</strong>, a memória e as dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

transmitir a experiência vivida a outrem, por meio <strong>de</strong> um texto, são alguns <strong>do</strong>s temas<br />

aí encontra<strong>do</strong>s:<br />

116<br />

Ai, arre, mas: que esta minha boca não tem or<strong>de</strong>m nenhuma. Estou contan<strong>do</strong> fora, coisas<br />

divagadas. (ROSA, 2001, p. 37)<br />

Contar é muito, muito dificultoso. Não pelos anos que já se passaram. Mas pela astúcia<br />

que tem certas coisas passadas — <strong>de</strong> fazer balancê, <strong>de</strong> se remexerem <strong>do</strong>s lugares. O que<br />

eu falei foi exato? Foi. Mas terá si<strong>do</strong>? Agora, acho que em não. (ROSA, 2001, p. 200)<br />

[...] conto malmente. A qualquer narração <strong>de</strong>ssa <strong>de</strong>põe em falso, porque o extenso <strong>de</strong><br />

to<strong>do</strong> sofri<strong>do</strong> se escapole da memória. E o senhor não esteve lá. O senhor não escutou, em<br />

cada anoitecer, a lugúgem <strong>do</strong> canto da mãe-da-lua. O senhor não po<strong>de</strong> estabelecer em<br />

sua idéia a minha tristeza quinhoã (ROSA, 2001, p. 418).<br />

Mas os trechos <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> sertão: veredas lista<strong>do</strong>s por Lígia Chiappini (1998) que<br />

mais se assemelham a pistas <strong>de</strong>ixadas ao leitor são aqueles em que o protagonista<br />

instrui seu hóspe<strong>de</strong> na recepção <strong>de</strong> uma fala muitas vezes confusa ou subjetiva:<br />

O senhor po<strong>de</strong> completar, imaginan<strong>do</strong>. (ROSA, 2001, p. 67)<br />

Eu sei que isto que estou dizen<strong>do</strong> é dificultoso, muito entrança<strong>do</strong>. Mas o senhor vai<br />

avante. (ROSA, 2001, p. 116)<br />

[...] o senhor me ouve, pensa, repensa, e rediz, então me ajuda. (ROSA, 2001, p. 116)<br />

Nas frases citadas acima, vemos ser atribuí<strong>do</strong> ao visitante um papel muito<br />

semelhante ao <strong>de</strong> um leitor. Ambos recebem os fatos narra<strong>do</strong>s, mas também os apelos<br />

daquele que narra, sen<strong>do</strong> convoca<strong>do</strong>s a pôr algo <strong>de</strong> seu no texto que lhes é<br />

transmiti<strong>do</strong>. As falas <strong>do</strong> protagonista <strong>de</strong>ixam explícita uma <strong>de</strong>manda <strong>de</strong> interpretação:<br />

a narrativa <strong>de</strong> Riobal<strong>do</strong> precisa da atenção <strong>do</strong> homem <strong>de</strong> fora, da mesma maneira que<br />

um livro precisa <strong>de</strong> seu público para existir.<br />

Fazen<strong>do</strong> um levantamento das principais idéias até agora propostas pela fortuna<br />

crítica rosiana em relação ao narratário, percebemos que a personagem <strong>do</strong> "senhor"<br />

misterioso vem intrigan<strong>do</strong> os críticos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a publicação <strong>de</strong> Gran<strong>de</strong> sertão: veredas.<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit

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