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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 139-145, <strong>de</strong>z. 2006<br />

uma forma <strong>de</strong> invalidá-la e sim <strong>de</strong> afirmá-la. Como “república <strong>do</strong> pensamento”<br />

(MACHADO, 1997, p. 945), o jornalismo <strong>de</strong>ve remediar não só as crises alheias, como<br />

também os próprios “peca<strong>do</strong>s” editoriais. Se o jovem Macha<strong>do</strong> aplau<strong>de</strong> a luta da<br />

imprensa para legitimar o princípio universal <strong>do</strong>s direitos, o mesmo, mais experiente,<br />

perceberá que a reforma pelo jornal passa primeiro por uma reforma no jornal, que<br />

ainda se encontrava, no Brasil, comprometi<strong>do</strong> com a noção <strong>de</strong> interesses particulares.<br />

Nas crônicas intituladas “O jornal e o livro”, “O folhetinista” e “A reforma <strong>de</strong><br />

jornal”, publicadas em 1859, o jovem Macha<strong>do</strong> se mostrava um convicto entusiasta <strong>do</strong><br />

jornalismo. Acreditan<strong>do</strong> no po<strong>de</strong>r revolucionário da imprensa como agente capaz <strong>de</strong><br />

trazer as reformas tão necessárias a um país marca<strong>do</strong> pela escravidão, pelo<br />

analfabetismo e por uma re<strong>de</strong> nefasta <strong>de</strong> privilégios provenientes <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong><br />

estamental, Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis vai elaborar uma propaganda positiva <strong>do</strong> jornalismo,<br />

posicionan<strong>do</strong>-o como a “verda<strong>de</strong>ira forma da república <strong>do</strong> pensamento”. Atribuin<strong>do</strong>-lhe<br />

uma missão repleta <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> social, o cronista enten<strong>de</strong> o jornalismo como<br />

um serviço público capaz <strong>de</strong> transformar a curiosida<strong>de</strong> individual em bem coletivo.<br />

Desta forma, surge a figura <strong>do</strong> jornalista como um ser <strong>de</strong>stemi<strong>do</strong>, uma espécie <strong>de</strong><br />

super-herói, que não me<strong>de</strong> esforços para trazer a verda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s fatos à tona. O saber,<br />

antes acumula<strong>do</strong> nas mãos da aristocracia, ganharia as ruas pela ação da imprensa.<br />

Devi<strong>do</strong> ao circuito restrito tanto no aspecto produtivo, levan<strong>do</strong>-se em conta o<br />

monólogo <strong>do</strong> escritor e a sua solidão intelectual, quanto no aspecto <strong>de</strong> consumo,<br />

consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> os poucos leitores que têm condições financeiras e intelectuais para<br />

comprar e ler uma obra, o livro é percebi<strong>do</strong> pelo jovem cronista como um instrumento<br />

aristocrático, que não aten<strong>de</strong> mais a uma “inquietação” da mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>, melhor<br />

comportada pelo jornal. Este apresenta um espectro <strong>de</strong> audiência mais amplia<strong>do</strong>, um<br />

suporte que admitia a participação <strong>de</strong> vários agentes sociais na construção <strong>de</strong> um<br />

discurso mais pluralista, e uma escala <strong>de</strong> tempo mais dinâmica. Diante <strong>de</strong>sses fatores,<br />

Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis afirma até que o jornal é uma “literatura quotidiana”, uma<br />

“reprodução diária <strong>do</strong> espírito <strong>do</strong> povo” (1997, p. 946).<br />

Aproprian<strong>do</strong>-se da associação <strong>do</strong> folhetinista com o beija-flor, construída por José<br />

<strong>de</strong> Alencar (uma referência crucial para a literatura e o jornalismo machadiano), nosso<br />

cronista assimila esta metáfora como <strong>estilo</strong> na medida em que vai visitar — como se<br />

fosse um colibri — vários assuntos, para dali tirar o seu sustento e a matéria para as<br />

crônicas que buscam <strong>de</strong>stacar o encoberto, na contramão <strong>de</strong> assuntos altamente<br />

“consagra<strong>do</strong>s” e <strong>de</strong> apelo sensacionalista. A “fusão <strong>do</strong> útil e <strong>do</strong> fútil” (MACHADO, 1997,<br />

p. 959) faz brotar a arte da <strong>de</strong>sconversa que marca a crônica <strong>de</strong> Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis<br />

como uma sobremesa que vai rebater o jantar, conforme ele próprio um dia <strong>de</strong>finiu. A<br />

crônica não é o prato principal, mas rouba a cena <strong>do</strong> banquete que alimenta o pobre<br />

espírito que resiste à dança macabra das coisas sólidas.<br />

O sabor da opinião em <strong>de</strong>trimento <strong>do</strong> mero conhecer promovi<strong>do</strong> superficialmente<br />

pela informação é a tônica <strong>do</strong> jornalismo <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong> por Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis. Para ele,<br />

o cronista <strong>de</strong>ve registrar o cotidiano, tornan<strong>do</strong> explícitas as suas marcas<br />

interpretativas e discutin<strong>do</strong> com os próprios leitores, enquanto narra episódios, o seu<br />

próprio méto<strong>do</strong> <strong>de</strong> contar histórias, ou seja, o fazer jornalístico. Macha<strong>do</strong> esquiva-se<br />

da impessoalida<strong>de</strong> para <strong>de</strong>stacar a importância da subjetivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> informante que não<br />

teme tomar posição sobre os fatos e assumir perante ao público sua parcialida<strong>de</strong>.<br />

O jornalismo como gran<strong>de</strong> veículo <strong>do</strong> espírito mo<strong>de</strong>rno e eleva<strong>do</strong> à categoria <strong>de</strong><br />

“república <strong>do</strong> pensamento” por Macha<strong>do</strong> <strong>de</strong> Assis passa a ser <strong>de</strong>smistifica<strong>do</strong> por ele<br />

mesmo, quan<strong>do</strong> o jornal se afasta <strong>do</strong> seu papel <strong>de</strong> instruir o leitor, informan<strong>do</strong>-o<br />

a<strong>de</strong>quadamente. Aquele que <strong>de</strong>stacou, na juventu<strong>de</strong>, a importância fundamental <strong>do</strong><br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

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