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Contornos do Indizível: o estilo de Clarice Lispector - Fale - UFMG

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Em Tese, Belo Horizonte, v. 10, p. 91-97, <strong>de</strong>z. 2006<br />

e <strong>de</strong> todas as outras presentes nas prescrições vitruvianas, é que o texto passou a ser<br />

interpreta<strong>do</strong> coerentemente com o que está escrito. Até então, estava estabeleci<strong>do</strong><br />

que os scamilli inpares estavam associa<strong>do</strong>s a “pe<strong>de</strong>stais” coloca<strong>do</strong>s sob as colunas e,<br />

ainda que tal elemento não fosse efetivamente utiliza<strong>do</strong> nas construções antigas a não<br />

ser em situações muito particulares, toda a arquitetura, <strong>do</strong> Renascimento ao perío<strong>do</strong><br />

neoclássico, fez intenso uso <strong>de</strong> pe<strong>de</strong>stais, um fenômeno que po<strong>de</strong> ser compreendi<strong>do</strong><br />

como a materialização <strong>de</strong> uma leitura equivocada, que, <strong>de</strong> certa forma, legitimou o<br />

próprio erro, na medida em que <strong>de</strong>monstrou ser uma solução viável — nesse ponto, o<br />

processo hermenêutico se transforma em história. Se a <strong>de</strong>scoberta das curvaturas<br />

possibilitou uma nova compreensão <strong>do</strong> passo, por outro la<strong>do</strong> criou novos problemas<br />

interpretativos. Inúmeras respostas têm si<strong>do</strong> dadas a essas novas questões, nenhuma<br />

plenamente satisfatória. A cada nova interpretação apresentada entra em ação, entre<br />

os estudiosos, um mecanismo <strong>de</strong> revisão, no senti<strong>do</strong> da sua superação, em um<br />

movimento da tradição exegética sem possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> retorno, o que po<strong>de</strong> ser<br />

chama<strong>do</strong> <strong>de</strong> “<strong>de</strong>slocamento <strong>do</strong> horizonte hermenêutico”.<br />

Diante disso, é possível concluir que realmente a interpretação não po<strong>de</strong> se<br />

basear em um mo<strong>de</strong>lo estável. Os seus próprios critérios são dita<strong>do</strong>s pelas<br />

circunstâncias históricas, que restringem o alcance da nossa visão a esse horizonte<br />

<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> pela tradição. Mas nem por isso po<strong>de</strong> ser afirmada uma relativida<strong>de</strong> absoluta<br />

inerente a esse processo interpretativo. Algumas interpretações, como é o caso da<br />

curvatura das horizontais, são conquistas <strong>de</strong>finitivamente estabelecidas. Também no<br />

âmbito da crítica <strong>do</strong> texto, cuja meto<strong>do</strong>logia é mais estável, os progressos po<strong>de</strong>m ser<br />

nitidamente nota<strong>do</strong>s. O texto <strong>de</strong> Vitrúvio é hoje muito mais legível que antes, mas o<br />

leitor tem que estar sempre atento às inúmeras questões que se colocam a cada passo<br />

da leitura, ten<strong>do</strong> sempre à mão um comentário <strong>de</strong>talha<strong>do</strong> e atualiza<strong>do</strong>.<br />

O texto da tradução da obra <strong>de</strong> Vitrúvio realizada por Lagonegro, recentemente<br />

lançada (1999), exemplifica bem essa constatação. Uma tradução em língua<br />

portuguesa da obra <strong>de</strong> Vitrúvio coloca ao tradutor problemas análogos aos que se<br />

apresentaram ao próprio autor, particularmente <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à egestas sermonis patriae,<br />

mas, em muitíssimos pontos, o texto traduzi<strong>do</strong> diverge completamente da minha<br />

interpretação. Nessa tradução, que tem o gran<strong>de</strong> mérito <strong>de</strong> ser a primeira completa <strong>do</strong><br />

De architectura para o português, são cometi<strong>do</strong>s alguns equívocos totalmente<br />

anacrônicos. Por um la<strong>do</strong>, mo<strong>de</strong>rnizam-se muito os conceitos antigos com o uso <strong>de</strong><br />

termos da prática arquitetônica contemporânea como tradução <strong>de</strong> termos vitruvianos,<br />

cujos conceitos são substancialmente diversos, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> que Vitrúvio parece<br />

excessivamente mo<strong>de</strong>rno, expressan<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> uma forma absolutamente inimaginável;<br />

por outro la<strong>do</strong>, toman<strong>do</strong> como exemplo novamente os scamilli inpares, interpretam-se<br />

<strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s passos tal como séculos atrás, e Vitrúvio se parece mais com Philan<strong>de</strong>r<br />

ou com Perrault, seus intérpretes <strong>do</strong>s séculos XVI e XVII, que com um romano <strong>do</strong> I<br />

século a. C., da época <strong>de</strong> Augusto.<br />

A afirmação <strong>do</strong> caráter necessariamente provisório <strong>de</strong> uma interpretação não<br />

invalida absolutamente a intenção <strong>de</strong> esclarecer os pontos obscuros <strong>do</strong> texto.<br />

Entretanto, a interpretação <strong>de</strong> Vitrúvio sempre foi fortemente condicionada pelos<br />

progressos da investigação arqueológica, mas po<strong>de</strong> ser afirma<strong>do</strong> categoricamente que<br />

também a essa meto<strong>do</strong>logia não se po<strong>de</strong> conferir uma valida<strong>de</strong> absoluta. Em suma, as<br />

respostas às questões suscitadas pelo texto <strong>de</strong>vem ser buscadas através <strong>de</strong> um<br />

processo intenso <strong>de</strong> diálogo com o próprio texto e com to<strong>do</strong> o conjunto da tradição,<br />

pois apenas o contato íntimo com a alterida<strong>de</strong> da língua <strong>de</strong> Vitrúvio e a consciência <strong>do</strong>s<br />

Disponível em http://www.letras.ufmg.br/poslit<br />

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